Hoje, a lei libera a destinação a entidades de cunho privado voltadas à educação infantil e à pré-escola. O governo tem sinalizado disposição de contemplar o pleito do segmento e articulações nesse sentido já estão avançadas entre os parlamentares
Com o aval do governo, o Congresso Nacional se articula para permitir a ampliação do uso do maior mecanismo de financiamento da rede pública de ensino básico para instituições filantrópicas e religiosas. É uma iniciativa que acolhe o pleito do segmento. Hoje, a lei do atual Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) libera a destinação a entidades de cunho privado voltadas à educação infantil e à pré-escola. A proposta em discussão nos bastidores contempla entidades sem fins lucrativos voltadas também aos níveis de ensino fundamental e médio.
O governo tem sinalizado a disposição de contemplar o pleito do segmento, mas articulações nesse sentido já estão avançadas entre os parlamentares, que vêm sofrendo pressões de lideranças religiosas e de entidades. Foi o Congresso que tomou do governo o protagonismo na elaboração do novo Fundeb, promulgado em agosto.
A nova regra deve ser incluída no texto que regulamenta o fundo que vigora a partir de janeiro. Relator da matéria na Câmara, o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), discutiu o tema com secretários estaduais de Educação na quinta-feira, 8. “Existe a proposta, mas ainda nada definido. Tudo está sendo discutido”, disse.
Após os intensos debates que definiram o ritmo de ampliação do aporte da União no Fundeb, que vai passar dos atuais 10% do montante para 23%, em seis anos, agora é ampliação do acesso das instituições privadas o foco de embates. Há divergência até entre parlamentares que colaboraram para que o texto principal fosse aprovado.
O deputado João Carlos Bacelar (Podemos-BA) presidiu a comissão especial do novo Fundeb, trabalhou para barrar contrapropostas do governo e para aprovação do texto da relatora, deputada Professora Dorinha (DEM-TO).
“Sou terminantemente contra (ampliar o fundo para entidades privadas). Precisamos fortalecer a rede pública. Precisamos que a escola do filho do trabalhador seja igual a do filho do rico. Se são filantrópicas, que vão atrás de recursos no meio social e não tirem os parcos recursos da educação”, disse.
Dorinha, por sua vez, é a favor da expansão nos cenários em que instituições privadas poderiam cobrir carências da rede pública, como em caso de falta de vagas de Ensino Médio. Ambos apresentaram projetos de regulamentação do Fundeb.
“Não vejo problema em abrir para outras áreas, mas penso que temos que olhar o sistema, o que tem de oferta na rede pública. O fundo não é para financiar rede filantrópica, mas podemos abrir a possibilidade de parceria, se houver necessidade”, opinou.
O grupo favorável à ideia argumenta que o uso ampliado dos recursos públicos para esses tipos de instituições privadas está resguardado pelo artigo 213 da Constituição. O dispositivo permite a destinação para da verba para “a escolas comunitárias, confessionais (ligadas a grupos religiosos) ou filantrópicas” em forma de bolsas de estudo para alunos pobres. A restrição só existia na lei do Fundeb atual, de 2007, que encerra a vigência em dezembro.
Secretários estaduais são contrários à ampliação. Dizem que o principal problema de oferta de vagas está na pré-escola e que não faz sentido a despesa para os demais níveis. O Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed) já apresentou a resistência ao relator da regulamentação.
“No Ensino Médio, em geral, não temos problema de vagas. Temos problemas de frequência. E não acredito que onde não tem a presença do Estado tenha alternativa de escola privada. É estranho apresentarem uma proposta que não faz parte da emenda que vai ser regulamentada”, afirmou Josué Modesto, secretário do Sergipe e coordenador do grupo do Consed que discute melhoria do gasto público.
O senador Flávio Arns (Rede-PR), relator do Fundeb no Senado, avalia que há, sim, lacunas nos demais níveis da educação básica. Cita a oferta de profissionalização a jovens e adultos e de educação em tempo integral.
“A família da criança pobre tem tranquilidade sabendo que tem todos os programas que uma criança rica paga fora para ter. Então, vamos fazer isso junto com quem está ofertando. A educação pública não tem condições de, nos próximos anos, ofertar isso. Tem condições, se somar esforços”, comentou.
O senador observa que a retirada da restrição do financiamento de filantrópicos não ganhou destaque nas discussões sobre do Fundeb, mas que sempre esteve implícita nos textos aprovados por conta do que prevê a Constituição.
“Quando falamos em entidades filantrópicas, falamos em bolsões de pobreza. Não é fazer a escola do centro urbano concorrer com a escola pública, a não ser que haja falta de vagas”, complementou.
Economista e colunista do Estadão, Pedro Nery avalia que a proposta de ampliação, na prática, consolida uma transferência de recursos que já existe. As escolas filantrópicas e religiosas têm imunidade na contribuição previdenciária ao disponibilizarem bolsas de estudos.
Além disso, ele diz a ideia pode ser frutífera desde que signifique oportunidades para alunos pobres, em pequena escala. “é uma ideia que pode ser testada. A evidência para os Estados Unidos é mista, mas sabemos que a rede privada tem vantagens quanto à gestão em relação à rede pública que podem afetar a qualidade”, frisou.
Fonte: Estadão