Demora na transferência das áreas da SPU ao Incra leva a violações de direitos e a conflitos agrários e socioambientais

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou que a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) adote medidas urgentes para acelerar os processos de regularização fundiária de sete territórios quilombolas localizados em Santarém, Óbidos e Oriximiná, no Pará. A principal medida sugerida é a criação de uma força-tarefa ou grupo de trabalho específico no estado.
O MPF justifica a recomendação apontando a demora excessiva nos processos de titulação, alguns iniciados há cerca de 20 anos, desde o reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares (FCP). Os territórios citados são Arapemã, Saracura, Tiningu, Bom Jardim (Santarém), Nossa Senhora das Graças (Óbidos), Alto Trombetas I e Alto Trombetas II (Oriximiná).
Os procuradores da República Vítor Vieira Alves e Paulo de Tarso Moreira Oliveira destacam que a pendência na transferência do domínio das áreas pela SPU ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tem sido um obstáculo crucial, impedindo o prosseguimento das etapas de demarcação e titulação.
Para o Quilombo Arapemã, por exemplo, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) foi concluído pelo Incra há mais de quinze anos, sem que a SPU formalizasse o repasse da área da União. Situações semelhantes de pendências envolvendo a SPU afetam os demais territórios listados.
Violações e conflitos – Segundo o MPF, a morosidade viola o direito constitucional à razoável duração dos processos administrativos e compromete a garantia dos direitos territoriais, a segurança e o futuro das comunidades, “cuja existência encontra-se ameaçada pela ausência de garantia estatal de seus territórios, essenciais à sua reprodução física, social, cultural e econômica, e à preservação de seu legado histórico e ancestral”.
A recomendação cita que a falta de regularização fundiária contribui para o agravamento de conflitos agrários e socioambientais, intensificação da especulação imobiliária, expansão desordenada de empreendimentos portuários e expõe as comunidades e seus defensores a ameaças e violências, conforme constatado inclusive pela relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre defensores de direitos humanos em visita à região em 2024.
O MPF ressalta ainda que a demora configura omissão estatal e expressão de racismo estrutural e institucional, contrariando a Constituição Federal, a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção Interamericana contra o Racismo e decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que já condenou o Brasil por violações semelhantes.
Demais recomendações – Além da criação da força-tarefa com alocação de recursos orçamentários, financeiros e humanos, o MPF recomenda que a SPU:
- apresente ao MPF, ao Incra e às associações quilombolas, em 90 dias, um cronograma detalhado para as ações pendentes;
- estabeleça critérios de prioridade, considerando tempo de espera, vulnerabilidade e conflitos;
- garanta a participação de autoridades regionais da SPU nas Mesas Quilombolas e articule soluções com outros órgãos (Ministério do Desenvolvimento Agrário, FCP, Advocacia-Geral da União); e
- capacite os servidores envolvidos nos processos de regularização.
Sobre as recomendações – Recomendação é um instrumento por meio do qual o Ministério Público expõe, em ato formal, fatos e fundamentos jurídicos sobre determinada questão, com o objetivo de persuadir o destinatário a praticar ou deixar de praticar condutas ou atos para melhoria dos serviços públicos e de relevância pública ou do respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela instituição.
É uma atuação voltada para prevenção de responsabilidades ou correção de condutas. Embora não possua caráter obrigatório, visa a solução do problema de forma extrajudicial. O não acatamento infundado de uma recomendação – ou a insuficiência dos fundamentos apresentados para não acatá-la total ou parcialmente – pode levar o Ministério Público a adotar medidas cabíveis, incluindo ações judiciais cíveis e penais contra os agentes públicos responsáveis.
A recomendação à SPU foi direcionada à titular da instituição, Carolina Gabas Stuchi, e ao superintendente do órgão no Pará, Danilo Soares da Silva. A SPU tem o prazo de dez dias para informar o acatamento da recomendação e apresentar comprovação das providências adotadas.
Ministério Público Federal no Pará/Assessoria de Comunicação