Ação pede que Justiça determine veiculação de conteúdo proposto por indígenas, além de pagamento de indenização aos Warao
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação civil pública contra a emissora de rádio Marajoara, responsável pela rádio Mix FM, em Belém (PA), e contra os radialistas Raimundo Nonato da Silva Pereira e Hailton Pantoja Ferreira pela veiculação de discurso de ódio, preconceito, discriminação e xenofobia contra os indígenas da etnia Warao, originários de onde hoje é a Venezuela.
O programa citado na ação foi ao ar em agosto de 2018. Em alguns minutos de conversa entre o locutor Nonato Pereira e o repórter Hailton Ferreira, o Jimmy Night, diversas vezes os indígenas foram chamados de “vagabundos”, entre outros preconceitos e ofensas.
O MPF pediu à Justiça que seja determinada a veiculação pela rádio, por pelo menos um ano, de conteúdos propostos pelos próprios Warao, além do pagamento, pela empresa e pelos radialistas, de R$ 300 mil em indenização por danos morais coletivos aos indígenas.
O procurador da República Felipe de Moura Palha pede, na ação, que os comunicados de rádio – os chamados spots – sejam financiados pelos acusados, e que sejam exibidos no mesmo programa em que o discurso de ódio foi proferido e em todos os horários de maior audiência da emissora.
O spots devem contar material que apresente e valorize a cultura e a história do povo indígena Warao, e informações verdadeiras sobre sua condição migratória e de vida no Brasil e na Venezuela.
A indenização por danos morais coletivos aos Warao, de acordo com o pedido do MPF, deverá ser revertida em projetos de acolhimento humanitário na capital paraense, elaborados com a participação direta dos próprios indígenas, mediante consulta prévia livre e informada.
Violência que gera violência – Para o MPF, o discurso dos radialistas extrapolou o direito à liberdade de expressão e recaiu no discurso de ódio, discriminatório e xenofóbico, sendo uma verdadeira incitação ao ódio e à violência contra o grupo indígena, com o agravante de ter sido proferido por meio de uma emissora de rádio, concessão pública que deveria ser um instrumento de disseminação e respeito às especificidades da cultura indígena.
“Esse tipo de discurso não se restringe apenas nas palavras proferidas contra os indígenas, mas avança para o plano concreto podendo produzir efeitos nas atitudes da própria população quando tem contato com os indígenas nas ruas”, alerta o MPF. “Se a pessoa (que absorveu tal discurso) já vai com o pensamento de que aquele migrante/refugiado é ‘vagabundo’ (como afirmado pelo radialista Nonato Pereira), isso se torna um potencial vetor para a prática de violência física e moral contra o referido povo”, exemplifica o procurador da República na ação.
O conteúdo da mensagem veiculada pela rádio Mix FM violou uma série de normas internacionais das quais o Brasil é signatário, e Constituição, e normas internas de defesa de direitos dos migrantes e dos povos indígenas, aponta o MPF, que citou o artigo 5º da Constituição, o Estatuto da Igualdade Racial, a Convenção Internacional para a Erradicação de Todas as Formas de Discriminação Racial, entre outras normas, e jurisprudência sobre o tema.
“A discriminação racial viola o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos à vida, à liberdade e à igualdade”, frisou o procurador da República Felipe de Moura Palha. “A naturalização de ideias preconceituosas ou atos discriminatórios constitui terreno fértil para sua reprodução simbólica, levando à disseminação e/ou perpetuação destes mesmos atos e ideias em nosso meio social”, voltou a alertar.
Processo nº 1033257-70.2020.4.01.3900 – 1ª Vara da Justiça Federal em Belém (PA)
Ministério Público Federal no Pará
Assessoria de Comunicação