Objetivo é garantir realização de estudos de impactos ambiental e climático, além de consulta prévia, livre e informada
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação na Justiça Federal com pedidos urgentes para que o estado do Pará e o município de Santarém (PA) incluam, no licenciamento ambiental de portos e hidrovias no município, itens que a legislação define como obrigatórios. Caso as obrigações não sejam obedecidas, o MPF quer a anulação dos licenciamentos e a aplicação de multa.
A ação pede que a Justiça determine a realização do prévio estudo de impacto ambiental, abrangendo a análise dos impactos a indígenas e quilombolas, além do estudo de impacto climático. Também foi pedida a inclusão do estudo de impacto climático antes da renovação da licença de operação de portos já em funcionamento.
O MPF pede, ainda, a obrigação da realização da Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) dos povos e comunidades potencialmente afetados, a ser realizada por órgão ou entidade estatal antes da licença prévia, da licença de instalação, da licença de operação e da renovação da licença de operação.
Além de os itens citados pelo MPF serem obrigatórios, a garantia do cumprimento dessas obrigações é urgente porque no município há um histórico de obras portuárias irregulares e há interesse de empresas na instalação de outros portos. O MPF também afirma que a operação de múltiplos portos em uma mesma região pode gerar efeitos resultantes do acúmulo de impactos e da interação entre eles, aumentando a pressão sobre o meio ambiente e o clima, e intensificando os conflitos e a especulação fundiária, entre outros problemas.
Rotina de irregularidades – Estudo conduzido pela organização de defesa de direitos humanos Terra de Direitos demonstrou que o número de portos no Tapajós dobrou em dez anos e que ao menos metade dos 27 portos em operação cometeu alguma irregularidade no processo de licenciamento ambiental, com impactos severos aos povos e comunidades tradicionais da região, destaca o procurador da República Vítor Vieira Alves.
Na ação, o MPF registra um histórico de ações ajuizadas pela instituição que demonstram o recorrente descumprimento, pelo estado do Pará e pelo município de Santarém, das exigências de estudos de impactos ambientais e de consulta prévia aos povos e comunidades tradicionais potencialmente afetados. Entre esses casos estão os dos terminais portuários das empresas Cargill, Embraps e Atem’s, por exemplo.
Em um dos processos relativos o porto da Atem’s, o MPF também aponta fraude no licenciamento, por ter a empresa requerido e obtido licenças ambientais em duas etapas (dois processos de licenciamento) para acelerar a análise, gerando dois processos administrativos, com a omissão, no primeiro requerimento, do caráter perigoso da carga operada nas atividades portuárias.
Mais ameaças – De acordo com pesquisa publicada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), outras grandes empresas têm interesse na instalação de portos graneleiros em Santarém, na área do Lago do Maicá. “Haverá sérias ameaças à qualidade de vida dos sujeitos que têm suas vidas ligadas ao rio, como os ribeirinhos, pescadores, indígenas, quilombolas que residem próximos aos locais onde se pretende a instalação destes portos”, alerta a publicação.
Para o MPF, o risco de novas violações a direitos é concreto, não só pelo histórico de reiteradas irregularidades no licenciamento ambiental de obras portuárias em Santarém, como também pela aquisição de áreas estratégicas por outras empresas do agronegócio para construção de outros portos.
Santarém tem sido gradualmente incorporada ao chamado Corredor Logístico Tapajós-Xingu, especialmente pela construção de novas obras portuárias. O corredor logístico é um conjunto de empreendimentos de infraestrutura de transportes que tem por objetivo promover o escoamento de grãos produzidos no centro-oeste do país. A iniciativa faz parte de um projeto maior, o chamado Arco Norte, que inclui corredores de exportação nas bacias dos rios Madeira e Tocantins.
Novas violações – Segundo representantes de povos indígenas, ribeirinhos, pescadores, agricultores familiares, trabalhadores urbanos, entidades de defesa de direitos socioambientais e membros da comunidade acadêmica e científica, os passos já tomados na implantação do Corredor Logistico Tapajós-Xingu têm agravado pressões sobre os territórios, como a grilagem de terras públicas, a especulação fundiária, a extração ilegal de madeira, o desmatamento e queimadas ilegais, a poluição das águas que abastecem populações e ameaças a lideranças que atuam na defesa dos direitos humanos e dos direitos da natureza.
Prova importante disso é que o atual Plano Diretor do município de Santarém designou o Lago do Maicá – o principal corpo hídrico pesqueiro de Santarém – como área portuária, contrariando a vontade manifestada por indígenas, quilombolas e pescadores artesanais na audiência pública realizada durante o processo legislativo, aponta o MPF.
A ação também leva em consideração que os portos e hidrovias, enquanto obras de infraestrutura logística, incentivam a expansão do agronegócio na região, com a supressão da vegetação nativa para uso alternativo do solo e consequente liberação de carbono na atmosfera.
Processo: 1014317-12.2024.4.01.3902 – 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Santarém/PA
Ministério Público Federal/PA /Assessoria de Comunicação