Sistemas agroflorestais baseados no conhecimento tradicional dos Munduruku funcionariam como espaços de apoio à saúde da comunidade
Um levantamento realizado por pesquisadoras da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) demonstrou a rica diversidade de espécies medicinais utilizadas por indígenas da etnia Munduruku da região do Planalto, próxima à cidade de Santarém, no Pará. Os resultados foram relatados no artigo “Traditional Knowledge of Forest Medicinal Plants of Munduruku Indigenous People – Ipaupixuna”, recentemente publicado no European Journal of Medicinal Plants, e trazem a proposta de implantação de áreas de plantio com fins medicinais nos territórios indígenas.
A pesquisa faz parte do projeto “Agrotecnologias para comunidades indígenas: um instrumento para a agroecologia”, que conta com financiamento da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa) e é coordenado pela professora Patricia Chaves de Oliveira, do Instituto de Biodiversidade e Florestas (Ibef).
A partir do levantamento etnobotânico, foram identificadas 88 espécies de plantas usadas pelas famílias da aldeia Ipaupixuna, no planalto santareno. “O levantamento etnobotânico é um diagnóstico do conhecimento tradicional dessas populações indígenas acerca da flora útil às mesmas”.
As espécies medicinais ocupam a maior parte dessa lista e apresentam grande diversidade: são 68 plantas distribuídas em 39 famílias botânicas e com 30 indicações terapêuticas. O cumaru (Dipteryx odorata (Aublet.) Willd), o jucá (Caesalpinia ferrea Mart. Ex Tul.), a manga (Mangifera indica L.) e o limão (Citrus limon (L) Burm.) foram as espécies com maior frequência relativa de citação (FRC) pelas famílias indígenas. Mas a planta considerada com o maior valor de uso (VU) pela comunidade é o malvarisco ou folha-grossa (Plectranthus amboinicus Lour. (Spreng)), usada para tratar tosse, gripe, asma, inflamações, lesões, vermelhidões e para limpeza dos olhos.
De acordo com a publicação, boa parte delas são espécies arbóreas encontradas nas florestas, o que sugere o alto nível de sustentabilidade da aldeia, que retira grande parte do seu sustento das florestas. Porém, a constatação também evidencia a ameaça ao território indígena, que está em uma área limítrofe a monoculturas de soja.
De acordo com a pesquisadora, a conservação das florestas é essencial para não apenas conservar a biodiversidade, mas para a saúde das populações tradicionais: “Esse estudo traz à tona o conhecimento tradicional dessas populações acerca do uso desta flora, além de ser uma forma de documentar que os indígenas estão há muito tempo no local e por isso desenvolveram um rico conhecimento a respeito dessa vegetação. Se essa flora for perturbada, isso afetará diretamente os seus modos de vida e de reprodução”, destaca a professora Patricia Oliveira.
As florestas medicinais e os etnoquintais – A pesquisa apresenta dois modelos de sistemas agroflorestais para as espécies de maior importância levantada no estudo etnobotânico, a fim de facilitar a coleta destas espécies pelas famílias indígenas. A proposta de implantação será posta em prática na próxima etapa da pesquisa.
Segundo a professora, as florestas medicinais seriam áreas plantadas, onde todas as espécies, quer arbustivas, ervas ou árvores, teriam natureza medicinal. “A primeira vantagem desse plantio é que você aproxima esses espaços que têm como objetivo produzir plantas para curar doenças, haja vista que os indígenas estão em áreas remotas, longe dos hospitais. Então essas florestas funcionariam como um suporte para a saúde desta população Munduruku”, explica Patricia.
As florestas medicinais também reduziriam o tempo de busca dessas plantas pelo fato de estarem mais próximas da aldeia e com sistema de plantio que permitiria identificar mais facilmente onde está cada espécie: “A segunda vantagem é que você sistematiza o sistema de produção, diferentemente de uma floresta primária ou secundária, onde várias espécies, medicinais ou não, encontram-se aleatoriamente distribuídas em uma fitossociologia muito peculiar. A floresta medicinal seria, então, um espaço em que todas as plantas têm função medicinal”, complementa.
Já a ideia dos etnoquintais seria a de melhorar as condições dos cultivos já feitos historicamente pelas famílias nos seus quintais. De acordo com a professora, “é uma terminologia nova que nós também trazemos, porque são quintais formados pelo conhecimento tradicional de populações indígenas e que têm uma alta diversidade”.
Valorização do conhecimento tradicional – O projeto também irá produzir uma cartilha, que terá as informações das plantas usadas pela comunidade, com foto, nome popular, nome científico, forma de utilização (medicinal, alimentar, artesanal, cosmética ou para construção) e indicações terapêuticas das espécies medicinais.
A aluna do bacharelado em Ciências Biológicas Beatriz Costa é coautora do estudo e explica que o objetivo do catálogo é contribuir para preservar os conhecimentos da comunidade: “Nosso intuito é apresentar essa cartilha para a comunidade, entregando cópias para a escola, para serem utilizadas como fonte de pesquisa pelos alunos e pelas lideranças locais. É muito importante esse retorno para a comunidade, pois esse registro é uma forma de resgate do conhecimento sobre plantas que eles possuem, e que infelizmente, com o passar das gerações, vai sendo perdido”, ressalta.
Comunicação/Ufopa