Número de casos no estado pode ser oito vezes maior que o apresentado na estatística oficial, alertam cientistas
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou à Justiça Federal esta semana análise científica que confirma a necessidade de aprimoramento das medidas de combate à covid-19 estabelecidas em decreto do governo do Pará. O envio da análise reforça pedidos do MPF e da Defensoria Pública da União (DPU) apresentados em ação ajuizada (https://bit.ly/2ynvbjw) no último dia 16 – com destaque para o pedido de suspensão urgente das atividades não essenciais –, e aponta um dado alarmante: segundo os pesquisadores, o número real de casos ativos da doença no estado pode ser cerca de oito vezes maior que o número oficialmente divulgado.
“Há a necessidade de ampliar sobremaneira o isolamento social e de maneira imediata, já que, em pandemias, cada dia significa um acúmulo brutal de mortes e novas contaminações”, alertam autores do estudo Covid-19: Um Novo Modelo Seir [Suscetível, Exposto, Infeccioso, Recuperado] para Países em Desenvolvimento – Estudo de Caso para a Região Metropolitana de Belém (https://bit.ly/2XZNFl3 ). Os pesquisadores analisaram o decreto estadual a pedido de membros do MP.
No entendimento dos cientistas, as restrições do decreto estadual 609/2020 são importantes, mas não o suficiente para atingir índices de isolamento social da população de 70% ou maiores, que são os níveis internacionalmente recomendados como efetivos para a redução de contágio e de propagação da pandemia. Eles alertam que a urgência da ampliação do distanciamento social se torna mais evidente em um momento em que há claro esgotamento do sistema de saúde do Pará e, especialmente, de Belém, e em que também há um evidente grau de subnotificação.
Integrantes da Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os especialistas apontam que somente após a redução de 80% da taxa de contaminação é que ocorre a brusca redução de mortes e da demanda por leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). “Decisões como a vedação [proibição] em larga escala das atividades não essenciais podem sim aumentar a eficácia do isolamento social e consequente redução da taxa de contágio”, enfatizam.
Subnotificação – Ao tratar da subnotificação da doença no Pará, os pesquisadores estimam números muito mais preocupantes que os oficiais. A partir de análise que tomou como base apenas dados divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) de Belém sobre o número de leitos de UTI ocupados na capital paraense na última segunda-feira (20) – a Sesma divulgou que 100 leitos estavam ocupados naquele dia por pacientes com sintomas da covid-19 –, os cientistas estimaram que os casos ativos da doença, naquela data, poderiam ser de 7.575, muito acima dos 902 registros oficiais de casos em todo o estado, segundo a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa). “Esse número pode ser ainda maior, já que não consideramos aqui os demais dados de hospitalização do estado”, ressaltam os pesquisadores consultados.
Os cientistas criticaram a falta, no decreto estadual, de alguma estratégia de testes em massa ou de rastreamento de contatos. Eles observaram que, ao lado do isolamento social, a realização de testes em massa é uma das premissas elementares para o enfrentamento da pandemia, porque permite a obtenção de métricas extremamente realistas dos casos confirmados, possibilitando o isolamento efetivo de pessoas infectadas.
Aglomerações – Na manifestação à Justiça, o MPF também citou respostas dos pesquisadores sobre se os limites de aglomerações permitidos no decreto – até nove pessoas, em geral, e até dez pessoas em cultos e eventos religiosos – podem contribuir para o aumento descontrolado da taxa de contágio.
De acordo com os cientistas, é possível provar matematicamente que contágios em diferentes pequenos grupos de convívio podem sim contribuir para acelerar exponencialmente a curva de contaminação. Por isso, os pesquisadores deixaram claro que a única garantia existente para a diminuição da taxa de contaminação é não haver aglomeração de natureza alguma.
Urgência negada – Também durante esta semana, o MPF e a DPU pediram que a Justiça Federal decidisse sobre os pedidos da ação com a máxima urgência, sem ouvir antes o estado do Pará, principalmente tendo em vista o colapso do sistema de saúde de Belém. A Justiça negou o pedido.
“Cada dia neste momento é determinante para o futuro do Pará nesse embate contra a pandemia. Não existe nenhum respaldo técnico-científico para manter abertas lojas de vestuário, decoração, móveis, calçados, bolsas, instrumentos musicais, vinhos etc., atraindo seus respectivos funcionários e clientes todos os dias, os quais inevitavelmente utilizarão meios coletivos de transporte e terão proximidade física com algumas pessoas. É medida imprescindível ao controle da pandemia a redução de circulação de pessoas ao mínimo necessário, ao menos até que o sistema de saúde consiga se organizar para receber a crescente demanda de infectados”, havia registrado o MPF no pedido de urgência.
Processo nº 1011750-53.2020.4.01.3900 – 5ª Vara da Justiça Federal em Belém (PA)
Íntegra da manifestação do MPF com informações complementares fornecidas por cientistas:
http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/documentos/2020/PeticaocomplementarACPisolamento.pdf
Íntegra da manifestação do MPF e da DPU com reiteração do pedido de urgência na publicação de decisão liminar:
http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/documentos/2020/Pedidoretratacao.pdf
Consulta processual:
https://pje1g.trf1.jus.br/consultapublica/ConsultaPublic
Ministério Público Federal no Pará
Assessoria de Comunicação