São quatro as Ações de Investigação Judicial Eleitoral ajuizadas no final do ano passado
Quatro Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJEs), ajuizadas no final do ano passado, devem agitar a política paraense, ao longo dos próximos meses, com repercussões até nacionais. Elas pedem a anulação de todos os votos recebidos pelo PL, nas últimas eleições paraenses para deputado federal e estadual, com nova totalização dos votos e redistribuição das vagas a candidatos de outras legendas.
Pedem, também, a cassação dos beneficiados pela suposta fraude eleitoral, cometida pela legenda: os deputados federais Éder Mauro e Lenildo Mendes Sertão, o “Delegado Caveira”; e os estaduais Aveilton Silva de Souza, Neil Duarte de Souza, o “Coronel Neil”; e Hugo Rogério Sarmanho Barra, filho de Éder Mauro. Querem, ainda, que sejam declarados inelegíveis o presidente nacional do PL, Valdemar da Costa Neto, e o presidente estadual, o senador Zequinha Marinho, que seriam os responsáveis pelas irregularidades.
Segundo as ações, o PL teria cometido abuso de poder e descumprido a legislação, para beneficiar alguns candidatos homens, o que atingiu a igualdade de condições (isonomia), que tem de nortear a disputa entre os candidatos dos vários partidos. A Lei determina uma cota de 30% para mulheres e negros, tanto das candidaturas partidárias, quanto dos recursos financeiros e inserções de rádio e TV, para as campanhas eleitorais.
No entanto, o PL teria concentrado o dinheiro do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do Fundo Partidário nas candidaturas de uns poucos homens brancos ou pardos, deixando mulheres e pretos a ver navios. O caso mais impressionante é de Éder Mauro: ele levou quase 75% das verbas destinadas aos 18 candidatos do PL a deputado federal.
Foram R$ 1 milhão (66,66%) do FEFC e R$ 526 mil (97,37%) do Fundo Partidário. Um aporte de recursos que representou 95,52% de tudo o que arrecadou (R$ 1,597 milhão) para a sua campanha à Câmara dos Deputados, diz o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Todas as AIJEs são assinadas pelo escritório do advogado Inocêncio Mártires. Duas delas miram os candidatos a deputado federal do PL e foram ajuizadas pela Federação PSDB/Cidadania; pelo ex-deputado federal Nilson Pinto, e a esposa dele, a empresária Lena Ribeiro. Ambos foram candidatos a deputado federal, mas não se elegeram.
Já as AIJEs que miram as candidaturas estaduais foram ajuizadas pelo ex-deputado Eliel Faustino, também não reeleito, fato para o qual teriam contribuído as manobras do PL para beneficiar alguns de seus candidatos homens, em detrimento da legislação.
Os três poderão ser diplomados e empossados como deputados, quer a Justiça anule a totalidade da votação do PL, para a Alepa e a Câmara dos Deputados, ou apenas casse os beneficiários da suposta fraude. Para a Câmara Federal, o PL elegeu três deputados: Éder Mauro, “Caveira” e Joaquim Passarinho. Na Alepa, os eleitos foram Aveilton Souza, Coronel Neil e Rogério Barra.
Zeca Diabo, cadê o dinheiro?”
A desigualdade na partilha de recursos entre os candidatos do PL foi tamanha que, ainda durante a campanha eleitoral, duas candidatas botaram a boca no trombone, em um vídeo distribuído nas redes sociais.
Ivanice Marques, que concorria a deputada federal, repudiou o desrespeito do PL pelos direitos das mulheres.
“Nós não tivemos o fundo para as mulheres, que são 30%. Então, nós viemos dizer, para que toda a sociedade possa conhecer o que está acontecendo conosco, e o senador Zequinha Marinho e Éder Mauro tiraram essa oportunidade da gente fazer uma campanha, para a gente chegar no Congresso Nacional”, disse ela.
Outra candidata, Izabela Bastos, que concorria a deputada estadual, foi ainda mais enfática:
“eu venho repudiar, com muito ódio no coração, com medo até de infartar, porque o ‘Zeca Marinho’, mais famoso como ‘Zeca Diabo’, o satanás do cão, pegou a nossa verba e eu não sei onde foi que ele colocou. Eu não tenho medo, tá? Quem quiser fazer alguma coisa comigo, que faça. Eu prefiro morrer lutando por nós mulheres, tá?, do que a gente ficar chorando, com medo desse miserável, então a gente tá lutando pelo nosso direito. Não chegou a verba! Ei rapaz, cadê a nossa verba? Tu estás pensando o quê? Estás lidando com mulheres dignas! Você tem que nos respeitar. Agora vem com essa de ficar com o nosso dinheiro, cadê o nosso dinheiro ‘Zeca Diabo’? Nós queremos nosso dinheiro! Cria vergonha nessa tua cara! Respeita nós mulheres! ‘Zeca Diabo’, se tu não prestar contas aqui, tu vais prestar contas no quinto dos infernos, miserável, porque já tem um processo contra vocês, bando de raça de miserável”.
“Ação entre amigos” com dinheiro público
Além de Éder Mauro, só quem recebeu dinheiro do PL, para a campanha a deputado federal, foram o “Delegado Caveira” (R$ 500 mil, ou 33,34% do FEFC) e o Professor Antonio Geraldo Costa, que levou apenas R$ 14.171,22, ou os 2,62% que sobraram do Fundo Partidário.
Se em vez de realizar um “rateio abusivo” das verbas, o PL tivesse cumprido o Legislação, dizem as AIJEs, as 6 mulheres que concorriam a deputadas federais teriam recebido, no mínimo, 30 % do Fundo Partidário (R$ 162 mil), ficando para os 12 homens, no máximo, 70% (R$ 378 mil). No caso do FEFC, pelo menos R$ 450 mil iriam para as mulheres, e R$ 1.050 milhão, no máximo, para os homens. No entanto, o dinheiro desses fundos, que são formados por recursos públicos, mais parece ter custeado uma espécie de “ação entre amigos”.
Veja-se o que aconteceu com os 41 candidatos do PL à Assembleia Legislativa do Pará (Alepa). Para todas essas campanhas, o partido dispunha de R$ 2.749 milhões, sendo R$ 1,919 milhões do FEFC, e R$ 830 mil do Fundo Partidário. No caso do FEFC, se a cota de 30% tivesse sido respeitada, pelo menos R$ 575,7 mil iriam para as 12 candidatas mulheres, e R$ 1,344 milhão, no máximo, para os 29 homens.
No entanto, dizem as AIJEs, os homens acabaram recebendo R$ 1,739 milhão, ou 90,63% do FEFC, restando às mulheres apenas R$ 180 mil, ou 9,37% dos recursos. A desigualdade se repetiu na distribuição do Fundo Partidário: as mulheres deveriam receber, no mínimo, R$ 249 mil, e os homens, no máximo, R$ 581 mil. Mas, no frigir dos ovos, as mulheres receberam apenas R$ 200 mil (24,10%), e os homens, R$ 630 mil (75,90%).
E quem foram os grandes beneficiários dessa partilha “abusiva”? Segundo as AIJEs, foram os deputados Aveilton Silva de Souza, Hugo Rogério Sarmanho Barra e Neil Duarte de Souza, que receberam, respectivamente, 31,26%, 15,63% e 23,44% do FEFC.
No caso do Fundo Partidário, quem mais se beneficiou foi o delegado da polícia civil Paulo Henrique Ribeiro Soares Júnior, que recebeu 36,14%, e Hugo Rogério Sarmanho Barra, que levou 24,09% dos recursos. O filho de Éder Mauro foi, aliás, o segundo que mais obteve dinheiro do PL: foram R$ 500 mil, considerando os dois fundos, o que representou 94,56% dos R$ 528.750,01 que arrecadou para a sua campanha.
O primeiro do ranking foi Aveilton Silva de Souza, ex-superintendente do Incra no Sul do Pará, que recebeu R$ 600 mil, ou 94,19% dos R$ 637 mil que arrecadou. Já o coronel Neil Duarte de Souza, foi o terceiro do ranking: ele recebeu R$ 450 mil, ou 89,54% dos R$ 502 mil que arrecadou. O quarto lugar ficou com o delegado Paulo Henrique Ribeiro Soares Junior, que recebeu R$ 300 mil, ou 94,47% dos R$ 317,5 mil que arrecadou.
Somados, esses quatro homens pardos receberam 67% do total de recursos do PL, restando apenas 33% para os demais 37 candidatos. Com isso, 18 dos 29 candidatos homens não viram um tostão sequer do partido. E dos únicos 3 homens pretos candidatos, apenas um obteve algum dinheiro (R$ 25 mil).
Das 12 mulheres, apenas 4 receberam dinheiro para suas campanhas, e todas são brancas. A única candidata preta a deputada estadual do PL, Jeanne Farias de Brito, teve a candidatura indeferida pela Justiça Eleitoral, mas nem mesmo as pardas obtiveram recursos. Entre as 6 candidatas do partido a deputada federal, 4 são pardas, apenas 2 são pretas e nenhuma recebeu dinheiro da legenda. Dos 12 homens, apenas 3 são pretos.
Segundo as AIJEs, a “conduta predatória” do PL, que submeteu as mulheres pretas ao “abandono material”, acabou por transformar em fictícias as candidaturas delas, o que configura fraude eleitoral.
“A agremiação partidária demandada empreendeu intensa e contundente discriminação em desfavor das suas filiadas mulheres negras, subtraindo delas o aporte base, para que pudessem disputar o certame seletivo eleitoral, com o mínimo de dignidade e condição de competitividade, transformando-as em concorrentes fictícias (…)”, diz uma das ações.
Daí o pedido das AIJEs para que o caso seja enviado para o ajuizamento de ação penal pelo Ministério Público, uma vez que o fato de o partido ter negado recursos às candidatas negras configuraria, também, delito de violência política contra a mulher.
A discriminação contra as mulheres atingiu, também, a distribuição do tempo da propaganda eleitoral gratuita. 72,22% dos programas televisivos dos candidatos a deputado federal, veiculados no período da tarde, por exemplo, beneficiaram homens, e apenas 27,77%, as mulheres. Situação semelhante ao registrado no período noturno: 71,06% dos programas com homens, e 28,94%, com mulheres.
Nos programas de rádio, veiculados pela manhã e à tarde, 71,12% beneficiaram homens, e 28,88%, mulheres. A desigualdade atingiu, principalmente, as mulheres pretas. A propaganda televisiva para deputado estadual, na parte da tarde, beneficiou 81,25% de mulheres brancas, e 18,75% de pardas. À noite, situação semelhante: 82,35% eram brancas, 17,64% eram pardas. Nos programas matutinos de rádio, 76,92% das beneficiadas eram brancas, e 23,08%, pardas. À tarde, 85,72% das mulheres eram brancas, e 14,28%, pardas.
Fonte: Diário do Pará