Após reportagem, governo do Pará recua e diz que não vai construir usinas em rio da Amazônia

Documentos e publicações oficiais feitas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que Helder Barbalho estudava a realização do projeto
Trechos do Rio São Benedito que governo do Pará queria analisar para erguer usinas Foto: Alexandre Bossi

O governador do Pará, Helder Barbalho, recorreu às redes sociais para afirmar que não vai levar adiante seu plano de construir oito hidrelétricas ao longo do Rio São Benedito, no município de Jacareacanga, sul do Estado.

Barbalho, que foi procurado por dois dias pela reportagem do Estadão, mas se negou a falar sobre o assunto, escreveu que “não há qualquer possibilidade do Governo do Pará estar estudando construir hidrelétricas no Rio São Benedito, em Jacareacanga, como informou o Estadão. Não temos compromisso e nem aceitamos projetos desse tipo.”

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Governador do Pará, Helder Barbalho usou o Twitter para negar que tenha plano de construir oito hidrelétricas ao longo do Rio São Benedito Foto: Marcos Corrêa/PR

Ocorre que o governador Helder Barbalho estudava, sim, a construção das usinas, e isso consta em documentos e publicações oficiais feitas pela própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Como informou a reportagem, Helder esteve, inclusive, em reunião presencial com a diretoria-geral da agência para tratar do assunto. O próprio governador fez questão de divulgar o encontro em seu perfil, pelo Instagram, com foto ao lado dos diretores.

A Aneel fez ainda uma nota pública sobre o encontro. “A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e o Governo do Estado do Pará assinaram, na tarde desta terça-feira (8/9), convênio de cooperação para descentralização de atividades à Agência de Regulação e Controle de Serviços Públicos do Estado do Pará (ARCON). Na ocasião, também foi assinado o Termo de Cooperação para Elaboração de Inventário do Rio São Benedito, afluente do Rio Teles Pires”, publicou. A íntegra da nota pode ser lida no site da agência

A cerimônia, como afirma a Aneel, contou com as participações do governador do Estado do Pará, Helder Barbalho, do diretor-geral da agência, André Pepitone, do secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará, José Mauro de Almeida, do presidente da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado do Pará (ARCON), Eurípedes Reis e do deputado federal Joaquim Passarinho. Também representou a Aneel o diretor Efrain Cruz.

No encontro, Helder Barbalho se manifestou sobre a importância da ocasião, conforme registro da Aneel. “Que essa cooperação possa gerar aos paraenses aquilo que todos nós desejamos: qualidade nos serviços, energia plena, um custo de energia mais compatível com a realidade social de nossa população e desenvolvimento sustentável para a Amazônia”, disse.

Antes de recorrer à publicação no Twitter para negar a reportagem do Estadão, Helder Barbalho enviou a mesma mensagem à reportagem, por meio de sua assessoria. Foi informado de que não havia nada de errado com as informações publicadas e questionado se o governador havia desistido das usinas. Não houve resposta. Em seguida, o governador publicou sua mensagem no Twitter.

O plano

Como mostrou o Estadão, o plano de estudos prevê oito hidrelétricas em um dos rios mais belos da Amazônia, reconhecido internacionalmente pelo ecoturismo. As avaliações apontam que as oito usinas de menor estrutura – que são classificadas no setor elétrico como “pequenas centrais hidrelétricas”, ou PCHs – seriam capazes de gerar cerca de 300 megawatts de energia.

Para se ter uma ideia do que isso significa, apenas uma turbina de Belo Monte gera 611 megawatts. Não por acaso, o plano do governo paraense passou a ser extremamente criticado por ambientalistas e conhecedores da região. Qualquer complexo eólico ou solar, por exemplo, tem capacidade maior de geração.

Para além de questionamentos sobre a viabilidade econômica dos projetos e seus impactos ao meio ambiente, pesa ainda contra a ideia o fato de que a margem direita do rio, por centenas de quilômetros, é formada por terra indígena e por área da Aeronáutica, uma região conhecida como Serra do Cachimbo.

Em setembro, a Agência Nacional de Energia Elétrica assinou um acordo de cooperação com a Secretaria de Meio Ambiente do Pará, para detalhar o potencial de geração de energia que as usinas tirariam das águas do rio. A ideia seria fazer um “inventário participativo”, para trazer mais “segurança” a empreendedores durante o processo de licenciamento ambiental das usinas.

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Trechos do Rio São Benedito que governo do Pará queria analisar para erguer usinas Foto: Alexandre Bossi

O fato é que não há nenhuma clareza sobre o licenciamento. Qualquer empreendimento que afete terra indígena deve ser submetido ao Ibama e Funai, órgãos federais. Se o impacto ocorre em área da Aeronáutica, que é federal, isso também significa que não se trata, unicamente, de uma decisão do governo do Pará.

As pequenas hidrelétricas, como qualquer outra usina desse tipo, dependem da formação de algum reservatório, mesmo que em menor escala, o que significa supressão da área ao redor. Esse tipo de barragem também não possui formas de transpor o rio. Ou seja, a navegação fica travada entre cada estrutura. Outro impacto direto ocorre em relação às espécies de peixes. Com o rio travado, várias espécies que dependem da piracema e do fluxo normal da água simplesmente desaparecem, porque não resistem a esse tipo de situação.

O São Benedito é um dos afluentes do Teles Pires, rio que possui diversas usinas. O Teles Pires avança pelo Pará até se encontrar com o Juruena e, a partir dali, formar o imenso Tapajós. Ambientalistas que estudam a região são radicalmente contra a construção das usinas, que acabariam com um rio onde o ecoturismo está consolidado há décadas, atraindo brasileiros e estrangeiros atrás de suas belezas naturais, pesca e aves raras.

“O ecoturismo no local já é uma atividade econômica relevante, que tem gerado empregos e renda e contribuído para a proteção do meio ambiente. Ainda que esteja presente na região a pressão do avanço da soja e outras culturas, o São Benedito resiste, provavelmente por ter em suas margens terra indígena e a área militar do Cachimbo”, diz Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas da organização Observatório do Clima. “A proposta de implantação de empreendimentos hidrelétricos no São Benedito assusta. Mesmo que sejam pequenas centrais hidrelétricas, haverá degradação, ainda mais quando se somam os impactos do conjunto de unidades. Espero, sinceramente, que isso não seja levado adiante.”

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Área é uma das mais preservadas da região, conhecida mundialmente pelas riquezas naturais Foto: Alexandre Bossi

O biólogo e pesquisador Peter Crawshaw conta que esteve no rio quatro anos atrás. “Tive a oportunidade de conhecer o rio São Benedito em 2016 e registrar a sua beleza e riqueza em biodiversidade. Seria um crime considerar essa área para a construção de hidrelétricas que venham a inundar esse paraíso, já tão salvaguardado por iniciativas públicas e privadas, incluindo as Forças Armadas do País”, comenta.

Para Mário Haberfeld, fundador e presidente do projeto Onçafari, associação voltada à proteção da onça-pintada, a região é uma das mais ricas para quem gosta de observar a natureza. “Pessoas de todo o mundo visitam o rio todos os anos. A região abriga mais de 500 espécies de aves, algumas restritas à área da Serra do Cachimbo. É um dos hotspots para observadores de fauna no sul da Amazônia.”

Não há previsão para que o inventário das usinas fique pronto. Só a partir desses dados técnicos é que tem início o processo de licenciamento ambiental, para atestar ou não a viabilidade dos empreendimentos.

Avaliação estratégica

Após a publicação desta reportagem e do governo Helder Barbalho negar a existência de estudo que seu governo elabora, o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, Mauro O’ de Almeida, disse à reportagem que, na realidade, que está fazendo o estudo é o Ministério de Minas e Energia.

“Na verdade, esse inventário já deve ter sido feito, inclusive, pelo Ministério de Minas e Energia, a partir da Aneel”, comentou.

O MME não faz estudo de inventário. Esse trabalho, na realidade, quando de interesse federal, costuma ser desempenhado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que planeja os empreendimentos de geração do setor e sua viabilidade. A Aneel, como agência reguladora, apenas fiscaliza projetos.

Segundo Mauro O’ de Almeida, o objetivo do governo paraense foi participar de projetos federais. “As decisões de Brasília sempre foram tomadas sem anuência ou interlocução com o governo do Pará”, comentou. “O que a gente negociou com a Aneel foi que a gente pudesse ter contato com esses estudos, para a gente se manifestar. É o que a gente chama no setor de uma possibilidade de uma avaliação ambiental estratégica”, disse.

Como afirmou a reportagem, o governo do Pará realiza estudos, em acordo de cooperação com a Aneel, para erguer oito usinas no Rio São Benedito.

Fonte: Estadão

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