Novo estudo avalia o índice de contaminação por mercúrio em pescados no Pará

Os pesquisadores visitaram feiras como Mercado de Peixe, em Santarém, Ver-O-Peso, em Belém (PA) e a Feira da Manaus Moderna (AM).
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Um novo estudo realizado nos principais centros urbanos da Amazônia, abrangendo seis estados e 17 municípios, revela que os peixes da região estão contaminados por mercúrio. Os resultados mostram que peixes de todos os seis estados amazônicos apresentaram níveis de contaminação acima do limite aceitável de até 0,5 µg/g (micrograma de mercúrio para cada grama de tecido muscular), estabelecidos pela OMS – Organização Mundial da Saúde.

Os piores índices estão em Roraima, com 40% de peixes com mercúrio acima do limite recomendado, e Acre, com 35,9%. Já os menores indicadores estão no Pará, onde a pesquisa foram analisados em média 24 tipos de pescados comercializados nas feiras e mercados de Altamira (13,95%) , Belém (8,5%) , Itaituba (21,13%), Oriximiná (14,08), Santarém (7,14%) e São Félix do Xingu (29,41). O estado do Amapá, com 11,4%. Na média, 21,3% dos peixes comercializados nas localidades e que chegam à mesa das famílias na região Amazônica têm níveis de mercúrio acima dos limites seguros.

Em todas as camadas populacionais analisadas, a ingestão diária de mercúrio excedeu a dose de referência recomendada. No município mais crítico, de Rio Branco (AC), a potencial ingestão de mercúrio ultrapassou de 6,9 a 31,5 vezes a dose de referência indicada pela EPA – Agência de Proteção Ambiental do governo norteamericano (0,1 μg/kg por dia). As mulheres em idade fértil – público mais vulnerável aos efeitos do mercúrio – estariam ingerindo até 9 vezes mais mercúrio do que a dose preconizada; enquanto crianças de 2 a 4 anos até 31 vezes mais do que o aconselhado.

Em Roraima, segundo estado mais crítico, a potencial ingestão de mercúrio extrapolou de 5,9 a 27,2 vezes a dose de referência. Considerando os estratos populacionais mais vulneráveis à contaminação, mulheres em idade fértil estariam ingerindo até 8 vezes mais mercúrio do que a dose indicada, e crianças de 2 a 4 anos até 27 vezes mais do que o recomendado.

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Estas informações são de um estudo realizado por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Greenpeace Brasil, Iepé, Instituto Socioambiental e WWF-Brasil. O levantamento buscou avaliar o risco à saúde humana em função do consumo de peixes contaminados – e, para isso, visitou mercados e feiras em 17 cidades amazônicas onde foram compradas as amostras utilizadas nesta pesquisa.

“Este é o primeiro estudo que avalia os principais centros urbanos amazônicos espalhados em seis estados. Ele reforça um alerta para um assunto já conhecido, mas não resolvido, que é o risco à segurança alimentar na região amazônica gerado pelo uso de mercúrio na atividade garimpeira. É preocupante que a principal fonte de proteína do território, se ingerida sem controle, provoque danos à saúde por estar contaminada”, ressalta Decio Yokota, coordenador do Programa de Gestão da Informação do Iepé

“Estamos diante de um problema de saúde pública. Sabemos que a contaminação é mais grave para as mulheres grávidas, já que o feto pode sofrer distúrbios neurológicos, danos aos rins e ao sistema cardiovascular. Já as crianças podem apresentar dificuldades motoras e cognitivas, incluindo problemas na fala e no processo de aprendizagem. De forma geral, os efeitos são perigosos, muitas vezes irreversíveis, os sintomas podem aparecer após meses ou anos seguidos de exposição. É urgente a criação de políticas públicas para atender as pessoas já afetadas pela contaminação por mercúrio e medidas preventivas, de controle de uso”, alerta Dr. Paulo Basta, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.

O levantamento foi realizado de março de 2021 a setembro de 2022 nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. As amostras foram coletadas nos municípios deAltamira (PA), Belém (PA), Boa Vista (RR), Humaitá (AM), Itaituba (PA), Macapá (AP), Manaus (AM), Maraã (AM), Oiapoque (AP), Oriximiná (PA), Porto Velho (RO), Rio Branco (AC), Santa Isabel do Rio Negro (AM), Santarém (PA), São Félix do Xingu (PA), São Gabriel da Cachoeira (AM) e Tefé (AM). Foram avaliados 1.010 exemplares de peixes, de 80 espécies distintas, comprados em mercados, feiras e diretamente de pescadores, simulando o dia a dia dos consumidores locais.

Do total geral da amostra, 110 eram peixes herbívoros, 130 detritívoros, 286 onívoros e 484 carnívoros. Os carnívoros, mais apreciados pelos consumidores finais, apresentaram níveis de contaminação maiores que as espécies não-carnívoras. A análise comparativa entre espécies indicou que a contaminação é 14 vezes maior nos peixes carnívoros, quando comparados aos não carnívoros. Por isso, o estudo faz uma indicação de consumo para as principais espécies de peixes amostradas, considerando o nível de contaminação e a localidade.

A principal recomendação que os pesquisadores fazem é ter maior controle do território amazônico e erradicar os garimpos ilegais e outras fontes emissoras de mercúrio para o ambiente. “Além da degradação ambiental, os garimpos ilegais trazem um rastro de destruição que inclui tráfico de drogas, armas e animais silvestres, além da exploração sexual. Por isso, o Estado precisa garantir maior controle e segurança para as populações locais. No entanto, outras ações como a fiscalização do desmatamento e queimadas também reduzem a exposição ao mercúrio, uma vez que impactam na dinâmica dos solos e dos rios e igarapés”, afirma Marcelo Oliveira, especialista em conservação do WWF-Brasil.

Sobre o estudo

As coletas de amostras de peixes foram realizadas em 17 municípios amazônicos, totalizando seis estados amostrados. Sempre que possível foram amostradas ao menos três diferentes espécies em cada guilda trófica (carnívoro, onívoro, detritívoro e herbívoro) e no mínimo três indivíduos de cada espécie, com diferentes tamanhos.

A detecção dos níveis de Hg foi realizada por espectrometria de absorção atômica nos laboratórios do CETEM – Centro de Tecnologia Mineral (RJ) e do IEC – Instituto Evandro Chagas (PA). O estudo de avaliação do risco à saúde atribuído ao consumo de pescado contaminado foi calculado segundo parâmetros da US.EPA – Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Para isso, foram considerados quatro estratos populacionais: mulheres em idade fértil (10 a 49 anos); homens adultos (≥ 18 anos); crianças de 5 a 12 anos; e crianças de 2 a 4 anos.

A estimativa de consumo de pescado por pessoa baseou-se no relatório sobre o consumo de pescado na região Amazônica do Brasil, com média per capita de 100 gramas de pescado por dia em ambientes urbanos. Foram avaliados ainda, o cálculo da razão de risco (RR), que indica o potencial de danos à saúde provocado pelo consumo do pescado contaminado e a avaliação de risco à saúde.

Por: Martha Costa/assessoria