Alepa avalia votar fornecimento de medicamentos à base de canabidiol pelo Estado

Segundo proposta, a ideia é que o governo garanta, quando recomendado por especialista e em caráter excepcional, medicamentos que têm se mostrado “eficientes” no tratamento de doenças neurológicas
De acordo com o autor do projeto, o fornecimento seria feito diretamente nas unidades de saúde pública estadual e na rede privada conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS). (Foto: Julia Teichmann / Pixabay)

Uma proposta que visa à criação de política pública estadual para fornecimento gratuito de medicamentos formulados à base de canabidiol, em associação com outras substâncias canabinóides derivadas da planta popularmente conhecida como “maconha”, está em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa).

Apresentado na semana passada na Casa, o Projeto de Lei (PL) 24/2023 busca autorizar o Estado a garantir, quando recomendado por especialista e em caráter excepcional, medicamentos que têm se mostrado “eficientes” no tratamento de doenças neurológicas.

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De acordo com o autor do projeto, deputado estadual Ângelo Ferrari (MDB), o fornecimento seria feito diretamente nas unidades de saúde pública estadual e na rede privada conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Hoje, o canabidiol ainda não tem distribuição gratuita via SUS no Pará e é necessária autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para solicitar a importação desses medicamentos do exterior.

Urgência

Na opinião de Ferrari, mesmo diante da “necessidade e urgência” do fornecimento, o tema ainda é pouco discutido no Brasil. Caso o texto seja aprovado pelos parlamentares, o Pará será o segundo Estado do país e o primeiro da Amazônia a tratar da regulamentação da distribuição desses medicamentos pelo SUS – apenas São Paulo já avançou no tema. “É nosso dever enquanto cidadãos lutar pela garantia dos nossos direitos. Como parlamentar, meu dever é dialogar com o Executivo para promover o acesso à políticas públicas”, ressalta.

O deputado estadual conta que recebeu a demanda de famílias que têm pacientes que necessitam da medicação para amenizar os efeitos clínicos e sociais de algumas doenças neurológicas, como casos de epilepsia severa. “Um dos casos de que tomamos conhecimento é de uma criança com epilepsia que tinha mais de 100 crises epiléticas por dia e, com o uso de canabidiol, elas foram reduzidas para apenas duas”, lembra Ângelo.

A matéria passará por análise de três Comissões: a de Saúde, a de Fiscalização Financeira e Orçamentária (CFFO) e a de Constituição e Justiça (CCJ). Após isso, Ângelo Ferrari deve propor à Casa que seja realizada uma sessão com médicos, famílias de pacientes e a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa). O deputado ainda diz que está “otimista” em relação à tramitação do projeto na Alepa: “Acredito que, diante de sua relevância social e melhoria da saúde em nosso Estado, o PL deve ser aprovado e sancionado pelo governo”, avalia.

Procurada pela reportagem, a Sespa informou que o medicamento canabidiol não faz parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais do Ministério da Saúde (Rename), não sendo, portanto, fornecido pelo SUS. “No entanto, é possível realizar a solicitação administrativa à Sespa, conforme a Instrução Normativa Nº 01/2017. A Sespa ressalta que aguarda a aprovação do projeto para saber os termos para dispensação do medicamento. Atualmente, a Sespa atende 14 pacientes com o fornecimento de canabidiol“, destacou a Secretaria, em nota.

Tratamentos

O médico psiquiatra Dirceu Rigoni explica que esses medicamentos, assim como quaisquer outros sintéticos ou naturais, têm suas indicações adequadas, seus benefícios e seus eventuais efeitos colaterais.

“Sou da opinião que a discussão sobre o uso de quaisquer medicamentos não pode ser simplificada ou politizada, devendo ser técnica e baseada nos dados científicos necessários. Há situações em que já é comprovada a eficácia desses medicamentos e há situações em que há um potencial benefício para sua utilização, mas que carecem de provas científicas suficientes para afirmações categóricas”, declara.

Atualmente, segundo ele, o uso de medicamentos com essas substâncias é liberado para tratamentos de condições principalmente neurológicas específicas, mas acabam sendo usados “off-label”, ou seja, fora da indicação formal, em diversas outras condições. Quanto aos transtornos mentais, Dirceu diz que os remédios não são recomendados pela Associação Brasileira de Psiquiatria e não são liberados por qualquer agência reguladora do mundo para tal, pois ainda são necessários mais estudos.

“As agências reguladoras, geralmente, têm mais precauções quanto à liberação da existência de uma nova medicação no mercado e para quais doenças são indicadas, principalmente depois da não tão distante ‘catástrofe’ da talidomida. Isso não impede que, com segurança e bons resultados, médicos utilizem as diversas medicações fora de sua indicação formal, devendo sempre ser conversado com o paciente sobre os potenciais riscos. Acredito que uma boa forma de cada colega médico se posicionar é seguir o entendimento de suas associações e sociedades de suas respectivas especialidades”, opina o psiquiatra.

Quanto ao fornecimento desses medicamentos pelo sistema público de saúde, o médico analisa que, geralmente, a distribuição é pautada no benefício potencial de uma medicação e seus custos

“Ou seja, há muitas medicações boas recentes que não são fornecidas pois seus custos talvez não justifiquem a substituição de medicações mais antigas que servem para os tratamentos propostos. Eu considero obviamente positivo que o sistema público nos forneça mais ferramentas para trabalhar e melhores condições para os pacientes, logo, sou favorável. Tenho a única restrição quanto ao cuidado dos impactos pela forma que seja feito, para se evitar gastos excessivos com uma medicação que ainda é relativamente cara e cujo forte trabalho midiático possa levar a uma utilização menos criteriosa”.

Regras

De acordo com o PL 24/2023, os medicamentos devem ser de procedência nacional ou importado, formulado a base de derivado vegetal, industrializado e tecnicamente elaborado, nos termos das normas elaboradas pela Anvisa, que possua em sua formulação o canabidiol em associação com outros canabinóides, dentre eles o tetrahidrocanabidiol, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado para tratamento de saúde, acompanhado do devido laudo das razões de prescrição.

Ainda aponta que o medicamento fornecido deve ser produzido e distribuído por estabelecimentos devidamente regularizados pelas autoridades competentes em seus países de origem para as atividades de produção, distribuição ou comercialização; e conter certificado de análise, com especificação e teor de canabidiol e tetrahidrocanabidiol, que atenda às respectivas exigências das autoridades regulatórias em seus países de origem e, no território nacional, pela Anvisa; entre outras orientações.

Fonte: O Liberal