Há 2 anos, comunidade convivia com acesso limitado ao rio por conta de uma cerca colocada por fazendeiros na área de várzea do território
Patos do Ituqui é uma das 12 comunidades quilombolas de Santarém, no oeste do Pará. Localizada a cerca de 100km da área urbana da cidade, a comunidade já foi certificada pela Fundação Palmares, mas ainda está em processo de titulação e vivencia diversos conflitos fundiários com fazendeiros. Recentemente, uma decisão da Vara Agrária de Santarém reconheceu o direito de posse da comunidade e determinou a retirada de uma cerca instalada por fazendeiros que impedia o livre acesso dos quilombolas à área de várzea do território no Lago do Maicá, um braço do rio Amazonas.
A decisão liminar parte de uma ação movida pela Associação de Remanescente de Quilombola de Patos do Ituqui (ARCQUIPATO) contra três fazendeiros que em 2020 cercaram parte da área pretendida como território quilombola e iniciaram a criação de gado, obstruindo a passagem da comunidade ao lago e prejudicando as atividades de pesca, lazer e criação de animais. Além disso, comunitários também relatam que os fazendeiros criavam bubalinos, um tipo de gado que costuma entrar nas águas e causar devastação da área.
Eliane Oliveira, moradora de Patos do Ituqui, conta que a cerca é um problema tanto no período de inverno amazônico, quando o rio está cheio e a visualização da cerca fica mais complicada – ocasionando até acidentes –, quanto no período de verão, quando o rio seca e a cerca impede a pastagem dos gados na terra. Para ela, a decisão é muito benéfica para a comunidade, pois além de garantir o trânsito livre de pessoas e embarcações, a retirada da cerca vai acabar com os conflitos na área. “O gado da comunidade vai poder pastar livremente, vai ter o acesso e mais campo pra pastar. As pessoas vão ter mais acesso, a saída para sua pescaria vai melhorar e terá entrada em outros locais também. Sem a cerca não existe conflito na área de várzea”, aponta.
De acordo com a Vara Agrária de Santarém, a comunidade provou a posse da terra, assim como o uso comum do território em atividades de subsistência praticadas na área, antes da presença dos fazendeiros. “A parte autora apresentou indícios de prova suficientes que indicam o exercício da posse de fato legítima, justa, pacifica e de boa fé, anterior ao esbulho praticados pelos réus, e que o imóvel rural em questão trata-se de área na qual a utilização se dá com a observância dos requisitos necessários a caracterização da posse agrária, havendo, pelo menos nesta análise preliminar indicativos de aproveitamento racional e adequado da terra, utilização dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”, justifica na decisão.
Em janeiro deste ano, o Ministério Público do Pará se manifestou favorável a reintegração de posse destacando as evidências de uso coletivo da terra. Parte essencial da manifestação do MPPA e da determinação da Justiça foi a perícia judicial realizada na comunidade em 2021.
“No que concerne à produtividade agrária, a parte autora sustenta a produção familiar e comunitária, da pesca, do pastoreio de gados”, ressalta a decisão como resultado da perícia.
A assessora jurídica quilombola da Terra de Direitos, Gabriele Gonçalves – que acompanha a comunidade de Patos do Ituqui por meio da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS), destaca a importância da decisão para a comunidade, que se concretiza na continuidade da resistência e luta pela titulação do território. “Apesar da morosidade do Poder Judiciário em conceder a liminar que possibilita a comunidade a voltar a obter o acesso a áreas da várzea que foram impedidas pela construção da cerca – o pedido para retirar a cerca foi requerido em 2020 e só deferido em agosto de 2022 –, a decisão é bastante importante para a comunidade, pois além de garantir o direito a utilização do território, as decisões favoráveis impulsionam os movimentos sociais a continuarem na busca pela efetivação dos direitos”
Em cumprimento a decisão liminar, a assessoria jurídica dos fazendeiros informou que irão cumprir com a retirada da cerca. Agora a expectativa dos quilombolas de Patos do Ituqui é pela retomada do amplo acesso ao rio e de suas práticas tradicionais ribeirinhas no Lago do Maicá.
Luta histórica
Essa não é a primeira situação em que a comunidade precisou lutar contra fazendeiros em seu território. Há dez anos, em 2012, a comunidade também passou por uma situação semelhante: um fazendeiro de outra propriedade presente no território entrou com uma ação contra pessoas da comunidade que reivindicavam a retirada de uma cerca na área de várzea e um pedaço de terra para pastagem de animais.
Na ocasião, a sentença considerou a área de terra firme de posse do fazendeiro, determinando somente a retirada da cerca da área de várzea.
A demora no processo de titulação e a manutenção de propriedades na área pretendida como território quilombola, coloca a comunidade de Patos do Ituqui recorrentemente em situações de conflitos e limitações de suas atividades de subsistência.
Esta decisão favorável à comunidade representa mais um passo na luta contra as violações de direitos dos quilombolas, como aponta Gabriele Gonçalves, a assessora jurídica quilombola da Terra de Direitos – que acompanha a comunidade de Patos do Ituqui por meio da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS). “A decisão é de suma importância para a comunidade que há muitos anos tem sofrido com as violações de direitos dentro do território por fazendeiros. Além disso, a liminar traz uma segurança em relação ao território e possibilita que a comunidade continue exercendo o direito de uso do território”, conclui.
Fonte: Terra de Direitos