Auditoria do banco mostra que a empresa do publicitário Orly Bezerra recebeu recursos do ex-governador Simão Jatene para instalar propaganda em TVs nas agências, mas muitos equipamentos sequer existem
A Griffo Comunicação parece ter inventado um novo tipo de publicidade: a propaganda fantasma. Ainda na administração do ex-governador Simão Jatene, ela recebeu quase R$ 1,2 milhão do Banco do Estado do Pará (Banpará), para a propaganda dos serviços da instituição através de monitores de TV, em 42 agências de municípios interioranos e do Distrito de Mosqueiro, em Belém. Mas em 19 agências os monitores nunca foram instalados. E em outras 23, a cobrança pelo serviço começou meses antes, ou até anos antes, da instalação do aparelho. No último 8 de julho, após um longo pente-fino que comprovou os pagamentos indevidos, o Banpará ajuizou um processo contra a Griffo, para que ela devolva esse dinheiro, com juros e correção monetária.
A Griffo pertence ao marqueteiro Orly Bezerra, que coordenou as campanhas eleitorais dos ex-governadores Almir Gabriel e Jatene, além do ex-prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho. Depois que esses políticos foram eleitos, a empresa ganhou todas as milionárias licitações de propaganda que eles realizaram. Foi assim com Almir Gabriel, que governou o Pará de 1995 a 2002; com Jatene, governador de 2003 a 2006 e de 2011 a 2018; e com Zenaldo Coutinho, prefeito de Belém de 2013 ao ano passado. Só entre 2014 e março de 2019, a Griffo recebeu mais de R$ 160 milhões, apenas do Governo e do Banpará, em valores atualizados pelo DIÁRIO, pelo IPCA-E de junho. Os números-base são de um levantamento da Auditoria Geral do Estado (AGE), de janeiro do ano passado.
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A Ação de Responsabilidade Civil do Banpará contra a Griffo, por descumprimento contratual, tem o número 0839170-17.2021.8.14.0301 e tramita na 4ª Vara Cível e Empresarial de Belém. A propaganda fantasma começou a ser exorcizada, em janeiro do ano passado, quando a AGE foi informada de que o Banpará jamais recebera quaisquer prestações de contas da Griffo, apesar de o contrato prever o envio de relatórios mensais sobre os anúncios produzidos e veiculados. Essa e outras irregularidades levaram a AGE a suspender a empresa de licitações. O Banpará suspendeu o contrato e abriu investigações internas. Uma resultou na aplicação de multa de R$ 500 mil e na suspensão da empresa de licitações, por dois anos. A outra, no processo que pede a devolução desse R$ 1,2 milhão.
Descobriu-se, por exemplo, que a Griffo descumpriu o contrato e a Lei 12.232/2010, ao subcontratar, sem qualquer cotação de preços, a Positivações Mídia Inbox Eireli (Mídia Inbox), para a exibição de propaganda em monitores nas agências do banco. Ao contrário do que determinavam a Lei e o contrato, ela não solicitou orçamentos a pelo menos três empresas, com a abertura das propostas em sessão pública. A subcontratação rendeu à Mídia Inbox mais de R$ 13 milhões. As investigações apontaram, inclusive, indícios de improbidade administrativa na transação e recomendaram o envio de uma denúncia ao Ministério Público Estadual (MP-PA).
MUNICÍPIOS
A ação do Banpará traz até uma tabela com as 42 agências onde teria ocorrido a propaganda fantasma. Em Conceição do Araguaia, a Griffo começou a cobrar pelo serviço em julho de 2014, mas os monitores só foram instalados em abril de 2018, resultando em 45 meses (quase 4 anos) de pagamentos indevidos e um prejuízo de R$ 67.500,00. Nas agências de Marituba e Santa Luzia, o serviço começou a ser cobrado em julho de 2015, mas os aparelhos só foram postos em maio de 2018, com 34 meses de pagamentos indevidos e um prejuízo de R$ 51 mil, em cada uma. Em Ponta de Pedras, foi pior: ela começou a cobrar pelo serviço em julho de 2015, mas a agência só foi inaugurada em dezembro de 2017, dois anos e meio depois. E como os monitores só foram instalados em maio de 2018, o prejuízo foi de R$ 51 mil, por 34 meses de pagamentos indevidos.
No entanto, o maior prejuízo foi na agência Barcarena/Centro: R$ 105.356,89. Lá, o serviço começou a ser cobrado em julho de 2013, ou quase um ano antes da inauguração da agência, em junho de 2014. Foram 59 meses, ou quase 5 anos, de pagamentos indevidos, uma vez que os monitores só foram instalados em junho de 2018. Já nas agências de Monte Alegre, Salvaterra, Santa Bárbara, Curuá, Mojuí dos Campos, Santo Antônio do Tauá, Sapucaia, São Félix do Xingu, Tomé-Açu (Quatro Bocas), Porto de Moz, Oeiras do Pará, Senador José Porfírio, Ipixuna do Pará, Pau D’Arco e de Mosqueiro os serviços foram pagos durante até 37 meses, mas os aparelhos nunca foram instalados. E nos municípios de Santa Maria das Barreiras, Belterra, Cumaru do Norte e Itaituba (Pioneira) nem sequer as agências foram inauguradas, apesar do serviço ter sido cobrado por 16 meses, em cada uma, com um prejuízo total de R$ 96 mil.
ALEGAÇÕES
Segundo a Ação, vários documentos comprovam tais pagamentos. Mas para se defender, a Griffo “optou por tergiversar”. Ela teria gastado “longas linhas” exaltando os benefícios da propaganda para as empresas, além de enfatizar campanhas publicitárias que fez para o banco, e pesquisas que demonstrariam o seu sucesso em projetar a imagem dele. No entanto, esqueceu o principal: contestar a afirmação de que inexiste qualquer prova de que tenha prestado tais serviços, ainda que através de sua subcontratada. “Ao revés”, diz a Ação, “a apuração feita pela Auditoria Interna levantou provas de que tais serviços jamais foram executados (…)”.
O Banpará salienta que, além de não negar que recebeu o dinheiro, a Griffo também nunca desmentiu que o serviço não foi prestado: apenas alegou que o banco autorizou o uso de propaganda via monitores e a subcontratação da Mídia Inbox. Também jamais apresentou documentos, atestados por funcionários da instituição, comprovando a realização do serviço naqueles meses, ou até anos, em que teriam ocorrido os pagamentos indevidos. E isso apesar de o contrato prever que era responsabilidade dela tal comprovação, e de até receber uma comissão para supervisionar os serviços de eventuais subcontratadas.
Orly passou de “rei da propaganda” a acusado de chefiar grupo de fake news
A Griffo Comunicação nasceu em 1981, em um prédio desgastado, no centro comercial de Belém. Possuía, então, três sócios, entre os quais o marqueteiro Orly Bezerra. Desde aquela época, sempre foi Orly a dar ascartas na empresa.
Amigo pessoal de Jatene e ex-concunhado dos ex-secretários Fernando Dourado (Saúde) e Paulo Chaves (Cultura), o marqueteiro começou a se dar bem a partir de 1994, quando coordenou a campanha eleitoral de Almir Gabriel ao Governo.
A partir daí, seriam mais de 20 anos, quase ininterruptos, de recursos públicos jorrando nos cofres da empresa. Uma montanha de dinheiro que ninguém sabe realmente o tamanho. O que se sabe é que a Griffo recebia uma fatia leonina do contrato de propaganda do governo: cerca de 50%, apesar de serem 6 as agências contratadas para o serviço.
Com tanta fartura de dinheiro público, Orly enriqueceu e se tornou uma espécie de “rei da propaganda” do Pará. Seus tentáculos envolviam centenas de jornalistas e veículos de comunicação. Hoje ele é investigado pela Polícia, por suspeita de comandar uma rede de fake news contra o Governo Estadual, integrada por vários blogueiros.
Indícios não faltam: no último 2 de maio, o DIÁRIO mostrou os pagamentos da Griffo a jornalistas e veículos de comunicação, no ano passado, quando ocorreram as eleições municipais. Tudo com dinheiro da Prefeitura de Belém, entãocomandada por Zenaldo.
Os pagamentos contemplaram vários “comunicadores” favoráveis aos candidatos de Zenaldo e Jatene à Prefeitura de Belém: Thiago Araújo e Everaldo Eguchi, recentemente afastado do cargo de delegado da Polícia Federal, por suspeita de corrupção, após a operação Mapinguari.
Além de elogiar quem lhes financiavam, tais “comunicadores” também passaram boa parte do ano passado atacando, inclusive com fake news, o governador Helder Barbalho e o então candidato, e hoje prefeito, Edmilson Rodrigues. O “elenco” incluía o apresentador Sikêra Jr, o ex-deputado federal Wladimir Costa e o jornalista Ronaldo Brasiliense, um eterno parceiro de Orly.
Ronaldo foi o editor de O Paraense, um jornalzinho que circulava em Belém, sempre em ano eleitoral e sempre atacando candidatos oposicionistas, além de rasgar elogios a Jatene. Em 2014, o blog Vionorte, do jornalista Paulo Leandro Leal, publicou um documento revelando o custo desses elogios e ataques.
A Griffo pagava, com dinheiro do Governo, R$ 35 mil por duas páginas de anúncios no Paraense, a cada edição (ou R$ 70 mil por mês, já que a circulação dele era quinzenal). Em valores atualizados, seriam mais de R$ 100 mil por mês. Muitos veículos de comunicação, realmente expressivos, não recebem tanto dinheiro. Depois do escândalo, o Paraense desapareceu.
Fonte: Diário Online