Ônibus que levaria representantes do povo teve os pneus furados em novo ataque de garimpeiros
O Ministério Público Federal (MPF) requisitou escolta e proteção policial para que lideranças do povo Munduruku possam se deslocar de Jacareacanga, no sudoeste do Pará, até Brasília, onde estão previstas reuniões e manifestações contra as invasões de garimpeiros em suas terras. Os indígenas representantes do povo sairiam no dia 9, mas o ônibus onde viajariam foi atacado por garimpeiros, que furaram os pneus do veículo e ameaçaram o motorista.
O MPF enviou uma requisição direta à Força Nacional de Segurança Pública, a Polícia Rodoviária Federal e à Força Nacional de Segurança pública para que “considerando as sucessivas e incessantes violências praticadas contra os Munduruku que se opõem a tomada do território por mineradores ilegais e seus financiadores”, no período de 13 a 19 de junho, “empreguem agentes, veículos e equipamentos em quantitativo suficiente para garantir a segurança pessoal e realizar a escolta dos indígenas pretendam se locomover do município de Jacareacanga até o Distrito Federal”.
Além disso, foi enviada uma petição à Justiça Federal em Itaituba, em que o MPF pede que seja garantida a escolta a participação das lideranças nas reuniões e manifestações marcadas na capital federal. A escolta, sustenta o MPF, deve ser realizada pelas forças policiais necessárias, sejam da Polícia Militar, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal ou Força de Segurança Nacional. A petição lembra que, em setembro de 2020, indígenas favoráveis ao garimpo foram transportados em avião da Força Aérea Brasileira até Brasília, para defender as atividades ilegais.
Além de requisitar a escolta policial, a petição do MPF à Justiça também pede que seja executada a multa de R$ 50 mil por dia contra o governo federal, pelo descumprimento da ordem judicial de 29 de junho que ordenou o retorno das forças policiais federais para a região de Jacareacanga, após uma série de ataques contra a Polícia Federal e uma aldeia indígena, onde duas casas foram incendiadas pelos garimpeiros.
Os ataques de ontem e da semana anterior se incluem em uma série de atentados promovidos por garimpeiros contra as lideranças Munduruku que são contrárias às atividades de mineração ilegal em suas terras. O MPF classifica a situação em Jacareacanga como “inacreditável” e reputa à ausência do Estado Constitucional o fortalecimento de um grupo “cujo método de alteração da realidade é a violência”.
“Oportuno repisar que se está diante de organização patrocinada e orientada por diversos integrantes da cadeia econômica de exploração do minério de ouro, tal como se demonstra a partir de evidência recente, confirmada por inspeção realizada pela Polícia Rodoviária Federal, por meio da qual se elucida uma lista de “patrocinadores” que promoveram o fretamento de diversos ônibus para o transporte indígenas e não indígenas a Brasília/DF, em 19 de abril de 2021, com o fim de ludibriar autoridades públicas acerca de um inexistente consenso Munduruku derredor da prática da atividade ilegal”, explica a petição judicial.
“Vê-se, portanto, que além de financiados por extensa organização criminosa, o grupo pró-garimpo ainda se empenha em impedir, a qualquer custo, que a parte contrária seja ouvida pelas autoridades da República, o que por outra via constitui gravíssima ofensa a direitos fundamentais encartados na Constituição Federal”, diz o MPF sobre os fatos registrados ontem em Jacareacanga.
Operações episódicas – No documento enviado à Justiça hoje, o MPF também aponta a falta de planejamento e estruturação para o combate às atividades ilegais no interior do território Munduruku. A operação frustrada da PF, que se iniciou em 25 de junho e, em vez de se alongar pelos 15 dias previstos, foi encerrada após apenas 3 dias de trabalho, “se apresenta como uma reprise” de operações anteriores, em que as autoridades federais apenas “cumprem tabela” para não se indisporem com o Supremo Tribunal Federal (STF), que ordenou na Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 ações para coibir a invasão das terras indígenas do povo Munduruku. As operações são sempre “episódicas” e logo em seguida, se abandona o território novamente.
Em recomendação enviada no último dia 8 a várias instituições públicas, o MPF apontou para a necessidade de uma atuação coordenada sobre a cadeia econômica do ouro, para assegurar o controle sobre a extração e exportação do minério. Diferentemente de outras cadeias econômicas, como as da pecuária e dos grãos, em que em alguma medida já é exigida responsabilidade socioambiental dos atores dessas cadeias, ajudando a elevar a imagem do país no âmbito internacional, na cadeia de produção e circulação de ouro essa exigência não existe.
Entre as diversas requisições feitas pelo MPF na recomendação, foi solicitado aos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça e Segurança Pública, de Minas e Energia, e da Defesa, que estabeleçam agenda para ouvir os relatos dos indígenas Munduruku ameaçados e vítimas de atos de violência decorrentes das tentativas de invasão forçada do seu território para expansão da mineração ilegal.
Também foi recomendado – em especial, à Força Aérea Brasileira (FAB) – que sejam disponibilizados servidores, equipamentos e aeronaves para conduzir esses indígenas para reuniões em Brasília, considerando que, no passado, esses recursos foram empregados para conduzir lobistas e criminosos para a capital federal para tratar dessa mesma agenda.
Na recomendação o MPF aponta que quase a totalidade do brasileiro é exportada, sendo que em 2019 o Canadá, o Reino Unido e a Suíça registraram 71% de todas as importações de ouro do Brasil. (Veja a íntegra da recomendação aqui)
Violência em série – O bloqueio do ônibus das lideranças Munduruku se soma a uma longa lista de atentados cometidos por garimpeiros na região desde março, quando foi identificada a chegada de maquinário pesado, grupo armado e helicóptero suspeito de escoltar os criminosos, que estão avançando em direção a bacias hidrográficas fundamentais para a garantia da vida indígena, como a bacia do rio Cururu.
Também em março, na zona urbana de Jacareacanga, o grupo pró-garimpo depredou o prédio da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn. Foram destruídos documentos, móveis e equipamentos, além de produtos indígenas à venda no local. A violência foi uma tentativa de silenciar as mulheres Munduruku, contrárias à mineração ilegal em terras indígenas. O escritório vandalizado é de uso coletivo com outras organizações indígenas antigarimpo.
Em abril o grupo de garimpeiros e representantes da minoria Munduruku aliciada por garimpeiros impediu que uma viatura do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) entrasse em Jacareacanga. A viatura fazia fiscalização contra a mineração ilegal em floresta nacional e área de preservação ambiental na região.
Ainda em abril, novamente na zona urbana de Jacareacanga, por duas vezes o grupo pró-garimpo roubou itens pertencentes à Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, conforme as indígenas relataram ao MPF. No dia 18 foram roubados mais de 830 litros de combustível e um tanque de motor de barco. Apesar de no dia anterior o MPF ter divulgado que os roubos poderiam voltar a ocorrer, no dia 21 o grupo pró-garimpo roubou um motor de barco das mulheres indígenas.
No final de maio, durante a realização de operação da Polícia Federal que cumpria ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), os ataques se tornaram ainda mais violentos: uma aldeia foi invadida por garimpeiros e casas de uma das principais lideranças contra o garimpo foram incendiadas. A própria base montada pela PF foi atacada pelos garimpeiros, o que motivou o encerramento da operação prematuramente, com a retirada das forças federais. Essa retirada que motivou o pedido do MPF à Justiça para que fosse assegurada a segurança pública na região, mas a ordem não vem sendo obedecida.
Processo nº 1000962-53.2020.4.01.3908
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Assessoria de Comunicação