Lava Jato denuncia Serra e filha por lavagem de propinas da Odebrecht no Rodoanel; PF faz buscas

Procuradoria da República em São Paulo acusa senador de receber ‘milhões ‘ em propinas da Odebrecht no exterior por meio de ‘sofisticada rede de offshores no exterior’
Senador José Serra. Foto: Beto Barata

Ministério Público Federal denunciou, nesta sexta, 3, o ex-governador de São Paulo e atual senador José Serra (PSDB) e sua filha, Verônica Allende Serra, pela prática de lavagem de dinheiro transnacional. Segundo a denúncia, Serra, entre 2006 e 2007, ‘valeu-se de seu cargo e de sua influência política para receber, da Odebrecht, pagamentos indevidos em troca de benefícios relacionados às obras do Rodoanel Sul’. “Milhões de reais foram pagos pela empreiteira por meio de uma sofisticada rede de offshores no exterior, para que o real beneficiário dos valores não fosse detectado pelos órgãos de controle”, afirmou a Procuradoria em nota.

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Paralelamente à denúncia, a força-tarefa da Lava Jato deflagrou a Operação Revoada para aprofundar as investigações em relação a outros fatos relacionados a esse mesmo esquema de lavagem em benefício de Serra. Oito mandados de busca e apreensão estão sendo cumpridos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Parte das buscas é realizada em endereços ligados ao ex-governador.

O empresário Ronaldo Cézar Coelho e José Amaro Pinto Ramos, apontado como operador de Serra, também são alvos da ofensiva.

As ordens foram expedidas pela Justiça Federal que determinou ainda o bloqueio de R$ 40 milhões de uma conta na Suíça, informou a Procuradoria.

Polícia Federal faz buscas em endereço ligado ao ex-governador e senador José Serra (PSDB). Foto: Felipe Rau/Estadão

Com relação à denúncia, a Lava Jato indicou que as investigações demonstraram que o operador José Amaro Pinto Ramos e Verônica Serra, filha do ex-governador, ‘constituíram empresas no exterior, ocultando seus nomes, e por meio delas receberam os pagamentos que a Odebrecht destinou ao então governador de São Paulo’.

“Neste contexto, realizaram numerosas transferências para dissimular a origem dos valores, e os mantiveram em uma conta de offshore controlada, de maneira oculta, por Verônica Serra até o final de 2014, quando foram transferidos para outra conta de titularidade oculta, na Suíça”, indicaram os procuradores.

A denúncia foi montada com base na delação de nove executivos ligados à Odebrecht, inclusive o ex-presidente do grupo, Marcelo Bahia Odebrecht. Nove procuradores subscrevem o documento.

A força-tarefa da Lava Jato em São Paulo diz que Serra e sua filha, ‘concorreram para diversos atos de lavagem de ativos – configurados a cada conjunto
de operações de ocultação e de dissimulação da natureza espúria e da real titularidade destes valores’.

“Especificamente, José Serra praticou, entre outros, três crimes de lavagem de ativos, por ter participado, de forma consciente e voluntária, da primeira (por meio do uso da Circle Technical, de José Amaro), da segunda (por meio do uso da Dortmund International) e da terceira camadas de ocultação e dissimulação (por meio de transferências para a Ficus Capital itadel Financial Advisory), integrantes de uma cadeia que se estendeu de 2006 a, pelo menos, 23/09/2014”, registra a denúncia.

Verônica, por sua vez, teria praticado dois crimes de lavagem, dizem os procuradores. O MPF apontou ainda ‘a falta de qualquer indicativo no sentido de que as operações ora imputadas tenham qualquer lastro em relações comerciais lícitas’. “Primeiramente, porque elas foram realizadas por atores sem vínculo formal ou
contratual entre si, a justificar que valores tenham sido por eles intercambiados. E, em segundo lugar, porque elas foram feitas via expedientes típicos de movimentações espúrias (como offshores que mantinham não declarados os reais envolvidos, camadas de transações que dificultavam o rastreio de valores, e transferências realizadas entre contas de um mesmo titular, em dispersão patrimonial)”.

Polícia Federal faz buscas em endereço ligado ao ex-governador e senador José Serra (PSDB). Foto: Felipe Rau/Estadão

‘Vizinho’

Segundo a Procuradoria, Serra solicitou, no fim de 2006, propina de R$ 4,5 milhões da Odebrecht e indicou que gostaria de receber o montante não no Brasil, mas no exterior, por meio de offshore disponibilizada pelo empresário José Amaro Pinto Ramos, ‘com quem mantinha amizade há anos’. Nas planilhas do famoso Setor de Operações Estruturadas, Serra tinha o codinome ‘vizinho’, em referência ao fato de o ex-governador morar próximo de seu principal contato na companhia, Pedro Novis.

A Lava Jato aponta que a Odebrecht efetivamente atendeu à solicitação de Serra e realizou, entre 2006 e 2007, ‘numerosas transferências’, no total de 1.564.891,78 euros, à offshore pertencente à José Amaro, tendo como beneficiário final o ex-governador. De tal montante, 936 mil euros chegaram à Dortmund International Inc, offshore que segundo os investigadores era controlada, de fato, por Verônica Allende Serra.

‘Esquema sofisticado’ com três camadas de lavagem

Na denúncia, o Ministério Público Federal apontou que a Odebrecht pagou propinas a Serra por meio do que os investigadores chamaram de ‘uma sofisticada rede de offshores no exterior’. Em meio a um esquema de três camadas de lavagem, a força-tarefa da Lava Jato em São Paulo identificou transferências em favor da offshore Dortmund International Inc, que seria controlada por Verônica. Segundo a Procuradoria, a Dortmun serviu como uma segunda camada de lavagem, ‘permitindo o recebimento oculto e dissimulado, entre 2006 e 2007, de 936 mil euros, oriundos de três empresas de José Amaro Ramos, que, por sua vez, foi beneficiado, no período, por valores transferidos a partir de offshores controladas pela Odebrecht’.

Os procuradores apontaram ainda uma terceira camada ‘de dispersão patrimonial, integrante, a toda evidência, de uma cadeia de lavagem de ativos’ envolvendo transferências da Dortmund à uma outra offshore e a liquidação da conta em favor de uma outra empresa do exterior.

COM A PALAVRA, O SENADOR

“Causa estranheza e indignação a ação deflagrada pela Força Tarefa da Lava Jato de São Paulo na manhã desta sexta-feira (3) em endereços ligados ao senador José Serra. Em meio à pandemia da Covid-19, em uma ação completamente desarrazoada, a operação realizou busca e apreensão com base em fatos antigos e prescritos e após denúncia já feita, o que comprova falta de urgência e de lastro probatório da Acusação.

É lamentável que medidas invasivas e agressivas como a de hoje sejam feitas sem o respeito à Lei e à decisão já tomada no caso pela Suprema Corte, em movimento ilegal que busca constranger e expor um senador da República.

O Senador José Serra reforça a licitude dos seus atos e a integridade que sempre permeou sua vida pública. Ele mantém sua confiança na Justiça brasileira, esperando que os fatos sejam esclarecidos e as arbitrariedades cometidas devidamente apuradas.”

COM A PALAVRA, A DEFESA DE RONAL CÉZAR COELHO

O criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que defende Ronaldo Cézar Coelho, disse que vai se manifestar depois que acessar os autos da Operação Revoada, desdobramento da Lava Jato.

COM A PALAVRA, O CRIMINALISTA EDUARDO CARNELÓS

O criminalista Eduardo Carnelós, que defende José Amaro Pinto Ramos, só vai se manifestar sobre as buscas contra seu cliente quando tiver acesso à ordem judicial.

COM A PALAVRA, O PSDB

Em sua conta no Twitter, o partido afirmou: O PSDB acredita no sistema judicial do País e defende as apurações na utilização de recursos públicos, ao mesmo tempo em que confia na história do Senador José Serra e nos devidos esclarecimentos dos fatos.

Fonte: Estadão