A defensora pública geral do Estado, Jeniffer de Barros Rodrigues, está se despedindo do cargo. Em entrevista ao portal Roma News ela fez uma análise de sua gestão. Acompanhe!
O Núcleo Regional da Defensoria Pública do Pará (DPPA), em Tucuruí, será inaugurado nesta segunda-feira, 22. A nova sede é a 15ª unidade inaugurada na gestão da atual defensora pública geral do Estado, Jeniffer de Barros Rodrigues, que está se despedindo do cargo na próxima quarta-feira, 24, depois de dois mandatos à frente da Defensoria.
Em um balanço dos seus quatro anos de gestão, ela afirma que está satisfeita com o trabalho desenvolvido, garantindo avanços considerados significativos para a Defensoria e conquistas reconhecidas pela categoria de defensores públicos do Pará.
Natural de Belém, Jeniffer Rodrigues conta que chegou a enfrentar o ranço do machismo quando assumiu o posto de defensora-geral. Ela lamenta os recursos ainda insatisfatórios para viabilizar um maior alcance da Defensoria, e não hesita em cravar o que é preciso para melhorar a infraestrutura e a assistência a quem mais precisa da justiça gratuita: “Falta vontade política”. Acompanhe a entrevista exclusiva ao Portal Roma News.
ROMA NEWS – Qual o seu sentimento perto da despedida?
Jeniffer Rodrigues – Sinto-me realizada por estar encerrando esse ciclo e tendo cumprido as metas estabelecidas. Foram quatro anos de enormes responsabilidades e dedicação exclusiva à Defensoria Pública, nos quais todos os outros projetos de vida pessoal e familiar ficaram suspensos. Tenho a boa sensação do dever cumprido, e sinto muita gratidão pelo crescimento pessoal e profissional que ocupar o cargo de defensora-geral me possibilitaram. Foram muitos aprendizados.
ROMA NEWS – Quais foram os seus maiores desafios na primeira gestão e na recondução ao cargo?
Jeniffer Rodrigues – Na primeira gestão foi particularmente complicado lidar com o fato de ser uma mulher e ter sido nomeada, não tendo sido a mais votada entre os eleitos da lista tríplice. Deparei-me com o machismo estrutural, o que, de certa forma, influenciou o modo de gerir. Procurei empoderar outras mulheres dentro da instituição, e elas passaram a ser maioria nos cargos de gestão. Além disso, os conceitos de solidariedade, empatia e cuidado – corolários da teoria feminista – foram impressos na prática, tanto nas atividades de gestão de pessoas quanto na gestão da atividade-fim da Defensoria. No segundo mandato, fui a mais votada por uma expressiva maioria, o que refletiu a aprovação dos meus pares pelo trabalho que vinha sendo desenvolvido. Então o desafio foi manter a coerência com o caminho que vinha sendo trilhado, mas com um pouco mais de leveza e confiança no trabalho que estava sendo executado.
ROMA NEWS – O que mais ficou marcado para a senhora como defensora-geral?
Jeniffer Rodrigues – Foram muitos eventos e ações grandiosos em volume, alcance e qualidade. Eu me comprometi a fazer uma administração voltada ao nosso assistido. Então, os encontros com o nosso público, mesmo na condição de gestora, foi o que mais me marcou. Em maio de 2017, celebramos o Dia Nacional da Defensoria de forma inédita, com uma grande ação de cidadania que percorreu várias comunidades do Marajó e atendeu em torno de 30 mil pessoas. A equipe de 80 profissionais saiu de Belém em uma balsa até Anajás, e foram quinze dias de ação. Estar naquele navio, junto a servidores e defensores, além dos parceiros, atender aquelas famílias, foi muito marcante para mim e conduziu a minha escolha de estar sempre presente com a população, fazer a Defensoria sair dos gabinetes e ouvir seus anseios, conhecer de perto as suas necessidades. E assim fizemos com o Grupo de Trabalho de Regularização Fundiária, Núcleo de Direitos Humanos e demandas estratégicas, mutirões sistêmicos nas ilhas e comunidades, rodas de reconstrução de vida para mulheres vítimas de violência, expansão e reformulação das ações de cidadania, educação em direitos nas escolas.
ROMA NEWS – A instituição está mais forte nesses últimos quatro anos?
Jeniffer Rodrigues – Não vejo o cenário como favorável para a defesa de direitos humanos no Brasil. Temos observado essa tendência, que também é mundial, da presença de governos com ideias totalitaristas e propostas de Estado mínimo. Isso é o caminho da consolidação do abismo em um Estado como o Pará, com 6 milhões de pessoas ganhando menos que três salários mínimos antes da pandemia. A Defensoria sempre foi a instituição menos prestigiada e mais desprovida de recursos orçamentários e financeiros do sistema de Justiça e dentre os entes autônomos. Parece um contrassenso que a instituição feita para atender aos mais vulneráveis seja a mais vulnerável, especialmente porque a correção dessa distorção depende simplesmente de vontade política. Vontade política daqueles que são eleitos por essas milhões de pessoas. Então é difícil dizer que a Defensoria é forte. Ela foi programada para não ser forte. Porém, mesmo diante do cenário retratado, nos últimos quatro anos, posso afirmar com segurança que a Defensoria teve sua autonomia protegida e fortalecida. Acredito que essa seja a principal e mais difícil missão do gestor da Defensoria.
ROMA NEWS – Quais foram as medidas mais recentes para melhorar as condições de atendimento na instituição?
Jeniffer Rodrigues – Nós consolidamos isso tendo alcançado, de maneira inédita, no ano de 2019, a capacidade financeira de arcar com nosso custeio, investimentos e pessoal sem a necessidade de suplementação financeira. A implementação da Ouvidoria Geral Externa aproximou ainda mais a sociedade civil da Defensoria, o que fez com que sua presença em diversos espaços fosse retomada, multiplicando as vozes pela relevância da instituição. Com a aprovação da Emenda número 78, a Constituição do Pará passou a contar com a sessão IV, destinada exclusivamente a Defensoria Pública do Estado. Com a nova redação, fica assegurado aos membros da Defensoria Pública o mesmo tratamento reservado aos magistrados e demais titulares dos cargos e funções essenciais à Justiça, assegurando à Defensoria Pública Geral o mesmo tratamento protocolar destinado aos demais representantes de funções essenciais à Justiça. Também fica assegurada ao órgão a competência privativa de propor ao legislativo estadual a alteração de membros da carreira, além da criação e extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e de seus membros. O novo texto prevê que a Defensoria Pública Geral comparecerá à Assembleia Legislativa, anualmente, sempre no mês de maio, para apresentar, em sessão pública, o Relatório de Atividades do ano anterior e o respectivo planejamento de ações e necessidades para o ano seguinte. Esse realmente foi um avanço fundamental para a manutenção da Defensoria como entidade garantidora de Direitos.
ROMA NEWS – Como você avalia essas inciativas citadas acima?
Jeniffer Rodrigues – Creio que todas as conquistas juntas é que deram volume a essa gestão. E todas foram fruto de planejamento e trabalho em equipe. Todas foram construídas no nosso planejamento organizacional focal que tinha como principal mote o fortalecimento da atividade-fim institucional. Dentro desse contexto, posso citar a elevação de Marabá, Santarém e Ananindeua à terceira entrância; a nomeação de defensores públicos, depois de cinco anos; o fortalecimento da solução extrajudicial dos conflitos e formação da primeira comissão sistêmica da Defensoria; o fortalecimento da interiorização dos serviços pela lotação de defensores em Itaituba, que estava há dez anos sem Defensoria, no Marajó, oeste e sudeste do Pará; a inauguração de quinze sedes de atendimento no interior e na capital, todas concebidas sob aspectos de acessibilidade e atendimento humanizado; a criação do Polo Regional de Parauapebas; a criação do Núcleo de Gênero da Defensoria; a instrumentalização do Grupo de Trabalho de Regularização Fundiária Urbana e Direito à Moradia, que atendeu, em quatro anos, 94 comunidades da região metropolitana, correspondendo 174 mil pessoas alcançadas, além da interiorização do Núcleo de Direitos Humanos e Atuação Estratégica, que passou a atuar no acompanhamento de situações envolvendo LGBTfobia, denúncias de tortura no sistema carcerário, pessoas com deficiência, pessoas em situação de rua, mulheres em situação de cárcere, populações ribeirinhas, camponesas e regularização fundiária urbana e populações tradicionais, atuação essa que recebeu o prêmio Innovare, e mais a ampliação das ações de cidadania, que quadriplicou sua capacidade de atendimento, dentre tantas outras, todas voltadas à promoção da dignidade aos que trabalham na Defensoria e aos que utilizam os seus serviços.
ROMA NEWS – Os defensores também tiveram ganhos? Estão mais valorizados?
Os defensores foram valorizados, sempre sob a perspectiva de valorização da missão institucional. Logo no início da minha primeira gestão, providenciei as identidades funcionais expedidas pela Casa da Moeda. Por incrível que pareça, mesmo a Defensoria tendo 30 anos de existência, os defensores ainda não tinham identidade funcional. Promovíamos cidadania para a população sem ter a nossa assegurada. A identificação funcional preserva as prerrogativas constitucionais e legais do membro, além de conferir segurança para a atuação. Promovemos ainda o horário especial de trabalho para servidores e servidoras com deficiência ou que tenham filhos ou dependentes com deficiência, a licença maternidade e paternidade ampliada em caso do filiação múltipla, e, como disse antes, a elevação de Marabá, Santarém é Ananindeua à terceira entrância, bem como a nomeação de defensores públicos, seguida da movimentação da carreira e titularização dos defensores substitutos. Também regulamentamos a atividade de plantão, adequamos o valor das diárias, que estavam defasadas, de forma igualitária para servidores e membros. Promovemos ainda o estímulo à participação de membros e servidores em cursos de especialização, mestrado e doutorado.
ROMA NEWS – Estruturalmente, o que falta para a DPPA ficar mais autônoma e com maior alcance e eficiência?
Jeniffer Rodrigues – A Defensoria precisa estar presente em todas as comarcas do Estado. Essa é uma determinação da Constituição Federal. Para isso, é necessária a adequação do seu orçamento, de modo que seja possibilitada a sua expansão por meio da realização de concurso público para defensores e servidores públicos. Para minimizar o problema do déficit orçamentário, nós conseguimos a aprovação e sanção da Lei 8.811, de 7 de janeiro de 2019, que dispõe sobre a reformulação de captação de receitas e aplicação de recursos do Fundo da Defensoria Pública, permitindo a arrecadação por meio de percentual sobre emolumentos dos cartórios e o uso dos recursos para investimentos e custeio do órgão. Leis como essa já vigoram em outros onze Estados da Federação e são um importante fôlego para as Defensorias, além de não onerar o Estado e a população. Ocorre que, por uma questão novamente política, essa lei está com a eficácia suspensa por uma decisão monocrática liminar há quase 1 ano e meio, gerando prejuízos graves à população hipossuficiente do Pará. Novamente, o que falta para a Defensoria ter mais alcance é vontade política.
ROMA NEWS – Quais serão os seus novos caminhos quando deixar a função?
Jeniffer Rodrigues – Esse momento de renovação de ciclo foi bastante planejado. Vou retomar a minha atuação como defensora pública no Núcleo de Gênero da Defensoria Pública, atuando na defesa de mulheres vítimas de violência em razão do gênero. Creio que os últimos quatro anos me prepararam para contribuir muito para o empoderamento de mulheres. Estou trabalhando o projeto de um livro, também com essa tônica de compartilhar experiências e estímulo com outras mulheres. Irei também me especializar em Ciências Humanas: História, Filosofia e Sociologia, porque entendo que o Direito é uma ciência muito limitada quando os objetivos a serem alcançados são a promoção da dignidade, igualdade e justiça social. Estou ansiosa para essa nova fase. Será também muito importante poder ter mais tempo para acompanhar o crescimento e desenvolvimento dos meus filhos, que me cobram bastante essa presença. Não me sinto encerrando nada. Na verdade, sinto a alegria pelo recomeço!
Fonte: Roma News