Associação de peritos se nega a retomar os trabalhos presenciais sob a alegação de falta de condições sanitárias; governo nega, afirma que seguiu todos os protocolos e diz que vai cortar o ponto de quem não voltar
A reabertura das agências do INSS deflagrou uma guerra entre órgãos de governo e os peritos médicos federais, num impasse que está prejudicando cerca de 1 milhão de brasileiros que aguardam uma perícia para receber seu benefício.
A Associação Nacional dos Peritos (ANMP) resiste a retomar os trabalhos presenciais sob a alegação de falta de condições sanitárias contra a covid-19, o que o governo nega. Acusada de compactuar com o movimento para barrar o retorno dos médicos ao atendimento presencial, a cúpula da Subsecretaria da Perícia Médica será exonerada nos próximos dias. O ponto dos peritos que não voltarem às agências será cortado.
A disputa de bastidores envolve troca de acusações, ameaças e uma batalha jurídica em torno de protocolos a serem seguidos devido à pandemia da covid-19. Até a exigência de uma régua acrílica transparente virou motivo de discussão técnica para decidir sobre as condições de retorno ao trabalho.
As agências do INSS estão sem atendimento presencial desde o início da pandemia. Embora o governo tenha permitido a concessão antecipada de benefícios como o auxílio-doença e o BPC (pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda) apenas com a apresentação de atestados ou outros documentos, há muitos brasileiros que não tiveram sucesso nesse acesso facilitado.
Cerca de 600 mil não conseguiram a antecipação do auxílio-doença porque são contribuintes há pouco tempo (e precisariam de perícia para quebrar a carência) ou por problemas no atestado. Outros 500 mil requerimentos do BPC por deficiência dependem de atendimento presencial – apenas um terço desse contingente conseguiu acessar os recursos antecipadamente. Alguns pedidos, principalmente do auxílio-doença, podem já ter perdido a motivação (porque a pessoa ficou curada, por exemplo), mas quase todos devem precisar de perícia.
O governo afirma que cumpriu todos os protocolos para o retorno dos médicos, depois de três meses de trabalho e até consultas a organismos previdenciários de outros países. Foram comprados equipamentos de proteção individual e coletiva para o atendimento. Entre 500 e 600 agências estão fora do plano de reabertura porque a maior parte dos funcionários faz parte do grupo de risco para a doença e serão mantidos em casa. Mas a associação avalia que as exigências não foram atendidas.
Inspeção
A associação dos peritos acusa o governo de ter flexibilizado os protocolos para declarar aptas um maior número de agências. Enquanto o governo diz haver mais de 400 das 1,5 mil unidades adequadas às condições sanitárias, a categoria diz reconhecer apenas 18. A ANMP tem cobrado a revisão da lista com os itens de segurança criada para auferir as condições das agências e quer fazer novas inspeções, comandadas pelos próprios peritos.
A crise ganhou outro patamar depois que a subsecretária da Perícia Médica Federal Substituta, Vanessa Justino, revogou unilateralmente em 15 de setembro um ofício que ela mesma havia assinado no dia anterior, em conjunto com o presidente do INSS, Leonardo Rolim, estabelecendo as orientações para as inspeções. Dentro do governo, a percepção é que ela agiu sob pressão da corporação, que é contrária à vistoria conduzida pelo INSS.
O diretor-presidente da ANMP, Luiz Argolo, nega que tenha havido pressão sobre a subsecretária e dá outra versão: a de que Vanessa assinou o primeiro ofício coagida pelo governo. Em nota, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho afirma que a construção do ofício teve participação da Subsecretaria da Perícia Média e avaliou inclusive “contribuições e reivindicações da associação que representa os médicos peritos federais”. “A acusação é absolutamente inverídica e improcedente”, diz a nota.
No mesmo dia 15 de setembro, o INSS e o secretário de Previdência, Narlon Gutierre, restabeleceram o ofício original das inspeções, que vêm sendo conduzidas desde então, sem a presença dos peritos. “Não fomos convidados. Eu desminto que tenhamos sido convidados”, dispara o presidente da ANMP. O Estadão/Broadcast, porém, teve acesso a comunicações internas que mostram coordenadorias regionais solicitando a presença dos peritos médicos nessas inspeções. Em uma delas, um perito da Paraíba responde “ciente e já repassada a informação”.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=21WOvyhttps://arte.estadao.com.br/uva/?id=y6X3L2
Segundo Argôlo, os peritos só farão novas vistorias técnicas se for restaurado o ofício anterior ao do dia 15 de setembro. Ele explica que a versão antiga fixava exigências como uma pia dentro de cada consultório para lavar as mãos. Essa cobrança foi flexibilizada para uma pia em área comum a cada dois consultórios, o que a ANMP considera insuficiente. “Não estamos nos recusando a voltar para o trabalho presencial. Não é movimento corporativista, é um movimento pela vida”, afirma.
Em meio à guerra, um áudio passou a ser distribuído por meio de aplicativos de mensagem. Um homem, que se identifica apenas como Francisco, conclama a categoria a continuar trabalhando de casa. “A resposta da categoria é não atender a nenhuma determinação que não seja da perícia médica”, diz o homem no áudio.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, não está descartada a abertura de um processo administrativo disciplinar (PAD) contra os servidores que não retornarem ao trabalho depois do despacho do secretário Especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco Leal, que determinou a retomada.
O entendimento é de que uma conduta de “reticência” no cumprimento da ordem aos servidores é passível a abertura do PAD, que é um instrumento usado para apurar infrações na administração pública.
Em entrevistas, o secretário Bianco tem feito comparações entre os médicos da Previdência com os do Sistema Único de Saúde (SUS) no trabalho vocacional de atendimento.
Fonte: Estadão