1932: Revolução Constitucionalista no Baixo Amazonas – 88 anos de história

Em Memórias de uma Revolta esquecida: o Baixo Amazonas na Revolução Constitucionalista de 1932, Walter Pinto analisa, entre outras questões, as causas que levaram um punhado de civis e militares (sargentos, cabos e soldados) da cidade de Óbidos a aderir à causa paulista. 

Na madrugada de 18 de agosto, como hoje, mas em 1932, um caixeiro viajante baiano, passando-se por coronel do Exército, conseguiu sublevar o quartel de Óbidos, prender os oficiais, conquistar o apoio de sargentos, cabos e soldados, aumentar o efetivo da tropa por meio de recrutamento de homens e adolescentes encontrados nas ruas da cidade, apreender dois barcos mercantes que passavam pelo estreito do Amazonas, artilhá-los com canhões retirados da fortaleza no alto da Serra da Escama e rumar para Manaus, com intenção de conquistar apoio do Exército à luta que paulistas travavam contra o governo Vargas, no episódio que ficou conhecido como Revolução Constitucionalista.

O plano completo consistia em reforçar a tropa rebelde, descer o Amazonas e, sob ameaça de bombardear Belém, sublevar o Exército no Pará, declarando apoio total do extremo Norte aos paulistas. Mas no meio do caminho, antes mesmo da chegada a Manaus, as embarcações rebeldes foram atacadas por navios do Exército em frente à cidade de Itacoatiara, onde aconteceu a primeira e única Batalha Naval brasileira.

A Batalha de Itacoatiara durou não mais que 45 minutos. Em meio à fuzilaria de parte a parte, o comandante do Exército deu ordem para os seus navios abalroarem os barcos rebeldes. Dezenas de paraenses morreram na ocasião, atingidos por bala ou afogados no grande rio.

Toda essa história está narrada em Os dias recurvos, belíssimo romance histórico de Ildefonso Guimarães, e por Walter Pinto  no livro 1932 – A Revolução Constitucionalista no Baixo Amazonas.

Para quem não tem os livros supracitados ou não pode fazer o download nesse momento, contaremos um pouco mais dessa história por meio do Jornal da Universidade Federal do Pará. Em artigo no então portal http://www.jornalbeiradorio.ufpa.br encontramos o seguinte artigo:

Há 80 anos, o Estado de São Paulo declarou guerra ao Governo Provisório de Getúlio Vargas, exigindo o retorno do País ao Estado de Direito. A Revolução Constitucionalista, iniciada em 9 de julho de 1932, aglutinou  135 mil paulistas contra as forças governistas. Após três meses de guerra civil, cerca de 900 paulistas morreram em combate, vencidos pelas tropas federais. Essa é a historia que aprendemos nas escolas, registrada em livros e documentos oficiais. No entanto a dissertação defendida pelo historiador e jornalista Walter Pinto de Oliveira, no Programa de História Social da Amazônia, da Universidade Federal do Pará (UFPA), adiciona novos dados a essa página da História do Brasil: a participação dos paraenses em luta contra e a favor dos paulistas.

Em Memórias de uma Revolta esquecida: o Baixo Amazonas na Revolução Constitucionalista de 1932, Walter Pinto analisa, entre outras questões, as causas que levaram um punhado de civis e militares (sargentos, cabos e soldados) da cidade de Óbidos a aderir à causa paulista. Além do sul do Mato Grosso, foi aquele o único apoio recebido por São Paulo durante o conflito em todo o Brasil. “Em 2006, li o romance ‘Os dias recurvos’ do escritor paraense Ildefonso Guimarães, sobre uma revolta ocorrida na cidade de Óbidos, em apoio à Revolução Constitucionalista. Inicialmente, pensei que se tratava de uma história criada pelo romancista, construída por meio de diálogos fictícios”, conta Walter Pinto. Mas, no decorrer da leitura, o historiador percebeu que o autor mesclou real e fictício, tendo o cuidado de anexar, ao final do texto, alguns documentos, tornando claro que a Revolução tratava-se, de fato, de um acontecimento real.

A partir de então, o historiador passou a pesquisar a história nos jornais da época. Inicialmente, pretendeu identificar o que era real e o que era fictício na narrativa de Ildefonso. Durante o mestrado, aprofundou os estudos, partindo em busca de respostas a várias questões suscitadas pela revolta, com destaque para as motivações por trás dos rebeldes do Baixo Amazonas e o alcance da reação do governo do Pará sobre a memória social como fator concorrente para o longo silêncio sobre a revolta.

Combatentes locais não constam na documentação oficial

A Revolução Constitucionalista em São Paulo insere-se no contexto da grande crise mundial, ocorrida em 1929, quando a exportação do principal produto brasileiro da época, o café, entrou em declínio. O presidente Washington Luis não conseguiu controlar a crise instalada, deixando descontente a oligarquia cafeeira paulista. Em março de 1930, o candidato governista Júlio Prestes ganhou a eleição, derrotando Getúlio Vargas por uma margem grande de votos. Apoiadores de Getúlio alegaram fraude nas eleições, dando início a uma grande crise política no País, cujo clímax foi a eclosão da Revolução, em outubro de 1930.

Os revolucionários depuseram Washington Luis, encerrando quatro décadas da Primeira República. O gaúcho Getúlio Vargas assumiu a presidência, logo dissolvendo o poder legislativo e tornando sem validade a Constituição. Interventores substituíram os governadores eleitos. O escolhido para governar o Pará foi o tenente Joaquim de Magalhães Cardoso Barata. Para São Paulo, foi nomeado também um tenente.  À crise econômica juntou-se a crise política. Descontentes com os rumos da Revolução, os paulistas uniram-se contra o Governo Provisório. Desta união nasceu o embrião do que viria a ser a Revolução Constitucionalista em 1932.

Logo que o conflito teve início, Vargas pediu aos interventores o envio de tropas para combater os paulistas. Barata enviou 1.063 combatentes. Embora o interventor tenha construído sobre estes combatentes a representação de “patriotas preocupados com a defesa dos ideais revolucionários de 30”, a pesquisa de Walter Pinto aponta para outra imagem: grande parte alistou-se nos pelotões patrióticos, porque lhes foram garantidas compensações pecuniárias ou porque poderiam barganhar emprego no Estado ao final do conflito.  Porém, se a documentação encontrada no Arquivo Público do Pará possibilitou identificar quem eram os combatentes enviados para a luta contra os paulistas, sobre os rebeldes do Baixo Amazonas, que lutaram a favor dos mesmos paulistas, não havia informação alguma disponível.

Destituir o interventor do Pará não era a única motivação

A pesquisa levou Walter Pinto aos arquivos de Óbidos, Manaus e Rio de Janeiro. Depois de dois anos, o pesquisador encontrou, enfim, o que procurava no Arquivo Histórico do Exército (AHEX), no Rio de Janeiro. Tratava-se de uma caixa contendo quatro inquéritos judiciais nos quais os rebeldes de Óbidos contam suas versões. As lideranças paulistas planejavam fomentar tumultos e revoltas nos Estados com vista a ocupar o Exército. Mas a estratégia não funcionou nos demais Estados. Óbidos destacou-se, neste contexto, por ser um foco revolucionário, sob a liderança de um civil enviado pelos constitucionalistas, o baiano Athenógenes Pompa de Oliveira. “Não se deve pensar que os rebeldes de Óbidos eram constitucionalistas preocupados com o retorno do País ao regime da lei”, adverte o pesquisador. “Em relação aos militares, que, afinal, eram a maioria rebelde, o que os moveu foi a possibilidade de serem promovidos a oficiais, caso São Paulo vencesse.”

Ao chegar a esta conclusão, Walter vai de encontro à incipiente historiografia paraense sobre 1932, segundo a qual o movimento constitucionalista na Amazônia teve como único objetivo destituir do poder o interventor do Pará. “Esta imagem apenas ecoa o discurso oficial, difundido pelos jornais, àquela altura, submetidos à censura e assimilado pelos autores, sem maiores análises.”

Memória social –  Após a tomada do quartel de Óbidos, os rebeldes partiram, a bordo de dois navios, rumo ao Amazonas. Depois de conquistarem Juriti e Parintins, chegaram a Itacoatiara, onde foram derrotados numa batalha naval, por tropas do Exército vindas de Manaus, em 24 de agosto.  Foi aquela a primeira ação rebelde a ousar desafiar o poder dos revolucionários de 30, no Norte. Talvez, por isso, os protagonistas tenham sido comparados “a cangaceiros, liderados por um Lampião que tinha por único objetivo saquear o comércio no Baixo Amazonas”, conforme representação feita por Magalhães Barata. Assim, ao imputar ao movimento um sentido de bandidagem, o interventor pretendeu desqualificar o sentido político da luta.

Fonte: Jornal da Universidade Federal do Pará. Ano XXX Nº 130. Abril e Maio de 2016

No dia 21 de outubro de 2013, o jornalista e mestre em história social pela UFPA, Walter Pinto de Oliveira, se preparava para o lançamento de seu livro “1932, A Revolta Constitucionalista no Baixo Amazonas”. O lançamento ocorreria no dia 25 de outubro, no antigo Quartel do 4º GAC, em Óbidos.

O portal http://www.folhadeobidos.com.br registrou o acontecimento e fez uma breve entrevista com o autor do livro. Acompanhe!

O jornalista e mestre em história social pela UFPA, Walter Pinto de Oliveira, lança, no dia 25 de outubro, no antigo Quartel do 4º GAC, em Óbidos, hoje Casa da Cultura, o livro “1932, A Revolta Constitucionalista no Baixo Amazonas”, que analisa as implicações políticas de um movimento rebelde acontecido na cidade de Óbidos, mas com extensão sobre as cidades de Santarém, Oriximiná, Juruti, Parintins, Itacoatiara e Manaus, em adesão à luta dos constitucionalistas de São Paulo contra a ditadura de Getúlio Vargas.

Trata-se do primeiro movimento armado que ousou enfrentar o temido interventor Magalhães Barata, a principal liderança tenentista da região Norte, que havia chegado ao poder com a Revolução de outubro de 30.

Ainda hoje, passados 81 anos, a Revolução Constitucionalista no Baixo Amazonas permanece pouco conhecida na Amazônia. Nas escolas, os estudantes do ensino médio, quando estudam a Era Vargas, são informados que a Revolução Constitucionalista de 1932 foi um conflito que opôs o Estado de São Paulo contra o governo provisório de Getúlio Vargas, tendo como objetivo a reconquista da hegemonia política perdida com a Revolução de 30. Nada aprendem, porém, sobre a revolta acontecida no Baixo Amazonas.

1932, A Revolta Constitucionalista no Baixo Amazonas tem 304 páginas e foi editado pela Paka-Tatu. O lançamento será realizado no dia 25 de outubro, às 19h. Paralelamente ao lançamento, será realizada uma palestra sobre a pesquisa desenvolvida pelo autor e uma exposição de charges e de documentos sobre a Revolução no Baixo Amazonas. O livro será vendido a R$ 30.

Entrevista

1.            Por que o interesse por esse tema?

Walter Pinto:
A Revolução Constitucionalista de São Paulo é um evento histórico bastante conhecido e estudado pelos alunos do segundo grau na disciplina História. Ele ocorreu em 1932, opondo paulistas ao governo de Getúlio Vargas. No Pará, houve uma extensão desta revolta, combatida com extrema violência pelo interventor Magalhães Barata, mas os livros adotados nas escolas nada dizem sobre este capítulo amazônico da História do Brasil. Nossos colegiais continuam estudando apenas a história que ocorre no Sul/Sudeste. Então, penso que o livro pode contribuir para a revisão, pelo menos, desta distorção. Também acho importante contribuir para o estudo dos anos 30 no Pará, ainda tão pouco pesquisados.

2.            Quando iniciou seu trabalho para a execução desse livro?

Walter Pinto:
Desde que li o romance Os dias recurvos, do escritor paraense Ildefonso Guimarães, em 2002, o assunto passou a me interessar, mas foi na Graduação em História que as pesquisas se intensificaram. Depois, ampliei a discussão no Mestrado em História Social da Amazônia, na UFPA, concluído no ano passado.

3.            Com seu deu a sua pesquisa em Belém?

Walter Pinto:
Sou muito grato aos funcionários da Biblioteca Arthur Vianna e do Arquivo Público do Pará pelo apoio recebido durante as pesquisas realizadas em jornais, livros e documentos. Mas a documentação mais importante para análise, encontrei no Rio de Janeiro, no Arquivo Histórico do Exército, onde tive acesso a quatro inquéritos em que os rebeldes de Óbidos contam versões da revolta. Eram vozes que, há muito, eu procurava e não se ouviam na documentação até então pesquisada.

4.            Você provavelmente foi a Óbidos, o que encontrou por lá de mais significativos para sua pesquisa?

Walter Pinto: 
Para quem estuda a história na Amazônia, é uma surpresa gratificante encontrar uma cidade preocupada com a conservação de seus documentos. Óbidos é uma dessas raras cidades. Lá, existe um Museu Integrado que guarda documentação de diferentes épocas. É uma entidade civil que luta com muitas dificuldades financeiras e de pessoal, mas cumpre bem seu papel. No Museu, encontrei livros-caixa da Prefeitura sobre as despesas com a captura dos rebeldes e documentos sobre a relação, nem sempre pacífica, da cidade com as guarnições do antigo quartel e forte de Óbidos. Também tive acesso ao Livro de Crônicas dos Frades de Óbidos, em que a Igreja faz a sua leitura da Revolta de 1932.

5.            O que levou os obidenses a aderirem à Revolução Constitucionalista de São Paulo?

Walter Pinto:
A pesquisa que realizei constatou que a Revolta em Óbidos fez parte de uma estratégia paulista de incentivar, até financeiramente, a eclosão de movimentos rebeldes em vários pontos do País, de tal forma a ocupar o Exército com o combate a esses focos regionais. Assim, a guerra em São Paulo poderia ser vencida pelos paulistas, já que o Exército, contra quem lutavam, não poderia ser reforçado por tropas de outros Estados. Mas só em Óbidos, a chama revolucionária ardeu. Na verdade, não podemos generalizar: quem aderiu foi apenas um pequeno grupo de militares e civis, não superior a duzentas pessoas. Busquei mostrar outras causas para além do recrutamento forçado e do idealismo revolucionário que a literatura cristalizou. Em relação aos militares, descobri, por exemplo, o arrivismo expresso no desejo de ascensão na estrutura do Exército e da sociedade local; quanto aos civis, o início da formação de uma resistência ao Baratismo, algumas vezes estimulada pelo desejo de vingança contra atos do interventor.

6.            Quem eram esses obidenses, o que faziam e o que aconteceu com eles depois?

Walter Pinto:
Os militares rebeldes eram todos inferiores, ou seja, pessoal de baixa graduação – cabos e sargentos –, que arrastaram os soldados à luta. Era um grupo que estava, há muito tempo, na ativa, mas sofria a ameaça de passar à reserva sem nenhum direito trabalhista. Os principais líderes civis eram profissionais liberais, sem poder de mando na sociedade local. Então, não é possível aplicar ao movimento de Óbidos o cunho oligárquico que definiu a Revolta em São Paulo. Os que sobreviveram à batalha de Itacoatiara foram presos, os militares foram expulsos e, depois, anistiados.

7.            Como os obidenses da cidade reagiram a esse fato?

Walter Pinto:
há relatos de rebeldes que dizem que a população de Óbidos apoiou o movimento, passando a andar armada na cidade. Mas este é, certamente, um exagero. As famílias que tinham posses buscaram refúgio nas fazendas e nos sítios do interior, temendo o recrutamento forçado. A cidade esvaziou-se rapidamente. Os comerciantes foram compelidos a doar dinheiro e mercadorias ao Movimento.

8.            E o governo do Estado do Pará?

Walter Pinto:
Coube aos interventores do Pará e do Amazonas enviar tropas do Exército para combater o foco rebelde. O encontro de rebeldes e Exército ocorreu em frente à cidade de Itacoatiara, onde se travou uma batalha naval. A luta foi rápida e trágica. Os navios rebeldes foram afundados, mais de quarenta rebeldes morreram.

9.            O episódio que trata o livro foi pouco divulgado pela história. A que se deve isso?

Walter Pinto:
A História é feita de memória e esquecimento. Quem detém o poder se preocupa, muitas vezes, em manipular a opinião pública, impondo-lhe a sua versão dos fatos. Para Magalhães Barata, este evento, que desafiou a sua autoridade, devia ser esquecido. Então, com auxílio da imprensa da época, ele procurou esvaziar o conteúdo político da Revolta, criando-lhe uma imagem negativa, associada à bandidagem.

10.         Faça, então, o convite para o lançamento do seu livro.

Walter Pinto:
A noite de autógrafo do livro será na sexta-feira, 25 de outubro, às 19h, no antigo quartel do 4º GAC, local onde a revolta teve início. O livro será vendido a 30 reais, preço de lançamento. Estão todos convidados.

*Entrevista concedida ao Portal Folha de Óbidos, em 21 de outubro de 2013.

Fontes:

  • Portal Folha de Óbidos;
  • Jornal da Universidade Federal do Pará
  • Livro: 1932: A Revolução Constitucionalista no Baixo Amazonas