Os testes sorológicos, em especial os exames de detecção de anticorpos atualmente comercializados no Brasil, apresentam sérios problemas de acurácia, por causa da baixa sensibilidade e também especificidade abaixo dos limites adequados.
No diagnóstico laboratorial da covid-19, muitos testes estão comercialmente disponíveis, mas infelizmente poucos exames oferecem a exatidão adequada para a confirmação ou descarte de casos suspeitos no Brasil.PUBLICIDADE
E o problema não é só em nosso País, o Center for Diseases Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos aponta que cerca de 50% dos testes sorológicos podem ter resultado falso-positivo, ou seja, acusar a covid-19 em quem não tem a doença.
Para entender essa questão, é necessário falar sobre os dois principais tipos de exames laboratoriais para o diagnóstico da covid-19: testes diretos (RT-PCR COVID) e testes Indiretos (Sorologia ou Detecção de Anticorpos COVID).
O principal exame direto disponível no Brasil é o RT-PCR COVID (Swab Nasal e Orofaringe), teste que consegue detectar um pedaço do material genético do SARS-COV-2, vírus que causa a covid-19, obtido através de um “cotonete” que colhe a secreção das vias aéreas superiores.
O RT-PCR COVID é considerado o método padrão-ouro no diagnóstico da covid-19 por todas as agências de saúde e sociedades científicas nacionais e internacionais por conta da ótima sensibilidade em detectar o vírus logo nos primeiros dias de sintomas, bem como na excelente especificidade, ou seja, chance virtualmente nula de testes falso-positivos.
Já os testes sorológicos, em especial os exames de detecção de anticorpos atualmente comercializados no Brasil, apresentam sérios problemas de acurácia, por causa da baixa sensibilidade e também especificidade abaixo dos limites adequados.
A problemática da baixa sensibilidade é intrínseca a vários exames sorológicos para diversas doenças, devido ao fenômeno conhecido por janela imunológica (ou sorológica), que é o tempo decorrente entre o início dos sintomas e a produção dos anticorpos, que na covid-19 é da ordem de 60 a 80% na primeira semana de doença, ou seja, falham na grande maioria dos casos testados nessa fase.
E mesmo quando os pacientes suspeitos são avaliados por exames sorológicos já estão na segunda semana, o problema da imprecisão dos testes sorológicos surge na forma de resultados falso-positivos em taxas próximas a 50%, devido à baixa especificidade dos anticorpos utilizados nos métodos atualmente comercializados no Brasil, e que podem cruzar com dengue, infecção prévia ou atual por cepas de outros coronavírus (causadores de resfriado comum) que não o SARS-CoOV-2 (β-Coronavírus), como os HKU1, NL63, OC43 ou 229E (α-coronavírus), ou ainda doenças-autoimunes (formadoras de auto-anticorpos).
Não obstante as questões intrínsecas de baixa acurácia já comentadas em relação aos exames sorológicos, se destaca como muito preocupante a realização não criteriosa dos testes rápidos, que são kits que também usam metodologia sorológica indireta, e que tem como ponto limitante adicional o fato da leitura da fita reagente ser de relativo grau de complexidade, e, portanto, necessitar de um profissional de saúde eficientemente treinado em todos os locais onde é realizado, incluindo as farmácias e drogarias.
Estes testes são realizados por uma gota de sangue extraída do paciente e, coletada por capilaridade mostrando ainda mais a baixa sensibilidade. Os estudos revelam que se fosse por punção venosa até melhoraria a acurácia. A curiosidade da população também em tomar conhecimento se já entrou em contato com a doença faz com que inúmeras solicitações acabem por gerar angústia e, sem uma interpretação adequada gerando mais dúvidas do que simplesmente um diagnostico preciso.
Se os testes sorológicos para covid-19 têm uma acurácia tão ruim, porque foi permitida sua comercialização no Brasil? A Anvisa responde em publicação própria e oficial sobre o tema: “Alguns conjuntos de reagentes para testes sorológicos foram autorizados pela Anvisa em caráter emergencial devido à gravidade da situação e à necessidade de ampliar a testagem da população, mas a validação desses reagentes pelos laboratórios é fundamental, uma vez que poucos trabalhos conseguiram ser publicados até o momento”.
Ou seja, fica claro que sem a devida validação qualitativa dos exames sorológicos, foram autorizados para comercialização testes sorológicos de acurácia inadequada e imprecisos para utilização na rotina de diagnósticos de casos suspeitos de covid-19 no Brasil, o que leva à graves consequências, quer seja deixar de acusar pacientes com a infecção na primeira semana, quer seja confirmar de forma equivocada pessoas que não foram realmente infectadas.
Portanto, urge que os diferentes protocolos vigentes em nosso país no diagnóstico da covid-19 em casos suspeitos convirjam para indicar como teste padrão o RT-PCR COVID, evitando os resultados imprecisos dos testes sorológicos.
Sergio Cimerman: *COORDENADOR CIENTÍFICO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFECTOLOGIA
Fonte: Estadão
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