10 filmes e séries para ajudar na reflexão sobre questões raciais

A gente sabe que você já viu Pantera Negra, agora vamos aprofundar um pouco mais.

Que fique claro desde o início, este texto foi escrito por uma mulher branca que nunca saberá o que é ser discriminada pela cor da sua pele. Mas é preciso enfatizar que as obras citadas foram sugeridas por pessoas negras e os comentários baseados não apenas na percepção da autora, mas também nas opiniões e críticas da comunidade negra sobre cada uma delas.

O Ódio Que Você Semeia (The Hate U Give)

O Ódio Que Você Semeia (The Hate U Give)

Foto: Divulgação

A prova de que lidar com um público juvenil não significa que você não possa tratar de temas sérios. Starr Carter (Amandla Stenberg) é uma garota negra de 16 anos que vive em um bairro periférico, cercado por drogas e violência, e estuda num colégio particular cheio de brancos ricos. Inicialmente o filme mostra a divisão clara entre a Starr da periferia e a Starr do colégio rico. Mas tudo isso é posto em cheque quando ela presencia a morte de seu melhor amigo de infância, também negro, por um policial branco. Quando se vê impelida a testemunhar sobre o crime, Starr se depara com suas duas “identidades” se cruzando e percebe que é impossível se esquivar da sua negritude e do racismo que ela, sua família e sua comunidade enfrentam todos os dias. O Ódio Que Você Semeia mostra um ciclo que nunca pára, de como o racismo leva ao medo e o medo leva ao ódio, ao mesmo tempo trazendo reflexões sobre o nosso papel na quebra desse ciclo e na resistência à intolerância.

Estrelas Além Do Tempo (Hidden Figures)

Estrelas Além Do Tempo (Hidden Figures)

Foto: Divulgação

Passado no contexto de segregação racial institucionalizada nos Estados Unidos, no início da década de 60, o filme discute com maestria a dupla discriminação baseada em racismo e misoginia. Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe) são três mulheres negras brilhantes, consideradas computadores humanos por realizarem os complexos cálculos que a NASA necessitava durante a Guerra Fria. Recrutadas para trabalhar no programa espacial, cada uma tem sua trama particular, mas todas perpassam pelos preconceitos que suas realidades de mulheres negras trazem consigo. Apesar das individualidades das personagens, elas encontram uma na outra a força necessária para buscar pelo respeito e justiça que elas merecem, demonstrando a importância da coletividade na luta antirracista.

Infiltrado Na Klan (BlacKkKlansman)

Infiltrado Na Klan (BlacKkKlansman)
Foto: Divulgação

Aqui acompanhamos a trajetória de Ron Stallworth (John David Washington), o primeiro oficial negro contratado pelo Departamento de Polícia de Colorado Springs e um dos primeiros negros americanos a exercer essa função. Ron se passa por um branco ao contatar David Duke, o diretor da “organização” supremacista branca Klu Klux Klan, por telefone, conseguindo se associar ao grupo para sabotar seus planos. Para além das discussões aprofundadas sobre a questão racial que permeiam as obras de Spike Lee, o filme nos mostra diferentes pontos de vista, dentro do movimento negro, de como combater o racismo. Enquanto Ron procura enfrentar o sistema agindo dentro dele, seu interesse amoroso, Patrice Dumas (Laura Harrier), escolhe o viés da militância e do ativismo, inclusive o questionando por ele ser negro e policial, haja vista que a violência policial contra o povo negro é uma das maiores pautas na luta contra o racismo. O interessante do filme é que ele não desmerece um ponto de vista em detrimento do outro, mostrando que toda forma de luta é válida e necessária.

Atlanta

Atlanta
Foto: Divulgação

Passeando entre a comédia e o drama, Donald Glover (ou Childish Gambino, como você preferir), além de criar, roteirizar, produzir e dirigir a série disponível na Netflix, ainda vive o protagonista Earn, um jovem fracassado e sem dinheiro que tenta investir o pouco que tem na carreira de rapper de seu primo Alfred, apelidado de Paper Boi. Para além de demonstrar a caminhada muito mais dura para artistas negros em uma indústria fonográfica dominada por brancos, Atlanta também trabalha, muitas vezes recheada de sarcasmo, debates pertinentes sobre questões raciais e econômicas e como essas duas formas de segregação andam juntas.

Cara Gente Branca (Dear White People)

Cara Gente Branca (Dear White People)
Foto: Divulgação

Um grande exemplo de pluralidade negra e de como as diferentes facetas do racismo se refletem na vida de quem é atingido por ele. A série, baseada no filme de mesmo nome lançado em 2014, foca num grupo de jovens negros que estudam em uma universidade frequentada majoritariamente por brancos. O maior mérito dela é mostrar as diferentes formas de existência (e resistência) do corpo negro, de forma natural, dando nuances e construindo personagens complexos, afetados de forma individual por um problema coletivo, estrutural e de classe. Além disso, a trama é certeira ao expor, com sutileza e, claro, ironia, uma estrutura em que o branco está mais preocupado em ter seus comportamentos racistas apontados do que em diminuí-los ou evitá-los.

Olhos Que Condenam (When They See Us)

Olhos Que Condenam (When They See Us)
Foto: Divulgação

Uma obra que mostra muito bem como os sistemas judiciário e prisional dos Estados Unidos se aparelham com o racismo para promover o encarceramento em massa da população negra. Em apenas quatro, porém muito intensos, episódios, acompanhamos a história de cinco meninos, quatro negros e um latino, que são acusados injustamente de estuprar uma mulher branca de classe média no Central Park, em Nova York. A série se aprofunda nas jornadas pessoais de cada personagem, trazendo uma humanidade que lhes foi tirada durante o processo de investigação do caso, em que sofriam abusos físicos e psicológicos, simplesmente porque a cor de suas peles definem como a sociedade os vê e, principalmente, os julga. A produção consegue demonstrar, com uma sensibilidade enorme, o quanto a prisão é algo que, uma vez que você vive, te acompanha para toda a vida. E com inocentes não é diferente.

Selma – Uma Luta Pela Igualdade

Selma  Uma Luta Pela Igualdade
Foto: Divulgação

Martin Luther King Jr., brilhantemente interpretado por David Oyelowo, vive uma de suas lutas pelos direitos civis dos negros americanos, mais precisamente, o direito ao voto. A ideia transmitida fica muito clara: só se pode corrigir as injustiças sociais cometidas contra a população negra se pessoas negras ocuparem posições de importância e com poder decisivo, e isso só é possível se os negros puderem escolher outros negros para os representar. Por isso, o protagonista comanda uma marcha pacífica em protesto, da cidade de Selma a Montgomery, no estado do Alabama, onde mais uma vez se observa a violência policial contra pessoas negras desarmadas, em uma demonstração clara de como o racismo pode ser ainda pior quando está tão presente nos governantes de um estado ou país.

Raça (Race)

Raça (Race)
Foto: Divulgação

Jesse Owens é um dos atletas mais importantes e memoráveis do mundo. Este filme biográfico acompanha a trajetória do velocista negro desde sua entrada em uma faculdade (o primeiro de sua família a conseguir tal feito), passando por seus treinos e desenvolvimento como atleta, até chegar às Olimpíadas de 1936, sediadas na Alemanha apenas três anos após a ascensão de Adolf Hitler ao poder. Owens enfrentou a ideia de supremacia branca usando o esporte, que o rendeu 4 medalhas de ouro, e mostrando o óbvio para uma sociedade que estava cega de preconceito: capacidade, esforço, talento e competência nada tem a ver com a cor da pele.

12 Anos De Escravidão (12 Years a Slave)

12 Anos De Escravidão (12 Years a Slave)
Foto: Divulgação

Pesado e verdadeiro, o filme mostra a escravidão como ela é: dolorosa, impiedosa e cruel. Fundamental para entender as bases que levaram a uma sociedade extremamente racista e segregacionista, a obra não se abstém de dar ao público um grande “tapa na cara” ao retratar um dos períodos mais sombrios da história da humanidade com tanto realismo. Chiwetel Ejiofor vive Solomon Northup, um negro liberto que é sequestrado e levado para o sul dos EUA ilegalmente, onde é escravizado mais uma vez. Assim começam os 12 anos da luta de Solomon pela sua liberdade e das inúmeras torturas que sofreu e presenciou.

Faça A Coisa Certa (Do The Right Thing)

Faça A Coisa Certa (Do The Right Thing)
Foto: Divulgação

Um marco de Spike Lee lançado em uma época que o mundo não estava preparado para esta conversa. Retratando a convivência entre diferentes etnias em um bairro majoritariamente negro como o Brooklyn, o filme que completou 30 anos de lançamento em 2019 permanece atual, por todos os personagens demonstrarem algum nível de desdém ou crenças estereotipadas sobre pessoas que não são da mesma raça. A história se passa em um dia, quando um ítalo-americano dono de uma pizzaria do bairro se recusa a colocar fotos de personalidades negras em sua parede repleta de imagens de artistas italianos, ignorando completamente o fato de que boa parte de sua clientela é negra. A partir daí, vários conflitos surgem, tentativas de boicote à pizzaria e brigas que levaram à interferência policial, culminando em uma morte trágica e consequente revolta violenta por parte da população, mudando o status quo daquela vizinhança para sempre. 

Sem muitos detalhes para quem ainda não viu, mas é impossível não associar a morte do personagem homem, negro, representante da cultura Hip Hop, enforcado por um policial sem a chance de se defender, com a morte George Floyd, que desencadeou os inúmeros protestos que estamos vendo acontecer nos Estados Unidos. 31 anos depois e a realidade continua imitando a ficção.

Para além da importância narrativa de Faça A Coisa Certa, é importante frisar que esse filme foi um marco para o cinema negro, impulsionando o surgimento de outros diretores negros, propostos a discutir a temática racial sob o ponto de vista de quem a vive. A ousadia e criatividade de Spike Lee trouxeram os black films para uma parte importante do mercado da indústria cinematográfica americana e, consequentemente, para o mundo todo.


Sabemos que muitas obras ficaram de fora, com discussões igualmente interessantes e relevantes, mas é impossível contemplar todas em um único texto. Por isso, pedimos que você também agregue a esta discussão, não apenas indicando filmes que envolvem a discriminação racial, mas também consumindo e buscando, cada vez mais, dar audiência e visibilidade para produtores e diretores negros, nacionais e internacionais, para que essa luta, mesmo que aos poucos, ganhe o espaço e a importância que ela precisa ter também entre a população branca.

Esta coluna é escrita pelos integrantes do Anime Geek, evento multicultural pop e geek realizado em Belém desde 2012. Nossa próxima edição será nos dias 14 e 15 de novembro na UNAMA-BR. Para mais informações, acesse também as nossas redes sociais:

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Fonte: Roma News/colunistas