Os quase 500 mil quilômetros quadrados de extensão possui uma diversidade social, cultural e ambiental que é motivo de diversas pesquisas na região, mas ainda há muito que avançar para descobrir todo seu potencial
Com quase 500 mil quilômetros quadrados de extensão, a bacia do rio Tapajós é uma das cinco maiores sub-bacias de todo o sistema amazônico e guarda, em meio a toda essa grandiosidade, não apenas uma rica biodiversidade ambiental, mas também uma impressionante e ainda pouco conhecida pluralidade social, cultural e de conhecimentos tradicionais. Para compreender melhor todo esse contexto presente nesta bacia que engloba parte do território paraense, um dos caminhos possíveis passa não só pelo aumento de estudos e pesquisas na região, mas sobretudo pela integração entre esse conhecimento e os saberes acumulados ao longo de anos pelas comunidades tradicionais que ali vivem.
A diversidade cultural experimentada ao longo da bacia do rio Tapajós passa pela presença de indígenas, ribeirinhos, comunidades quilombolas, seringueiros, beiradeiros e agricultores familiares que, historicamente, compartilham deste território ao longo de vários séculos. Estudos arqueológicos já realizados na região apontam o longo histórico de ocupação humana da bacia e a relação das ações humanas do passado com a própria configuração da natureza hoje. Um exemplo é a grande quantidade de sítios arqueológicos ao longo da bacia com a presença da chamada terra preta, um tipo de solo cultural gerado a partir da ação humana e que apresenta nutrientes, matérias orgânicas e demais vestígios provenientes dos modos de vida adotados por populações originárias no passado.
DIVERSIDADE CULTURAL
A professora adjunta de Arqueologia do Programa de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), Bruna Cigaran da Rocha, aponta que toda a bacia do Tapajós, o que inclui o Mato Grosso, conta com uma ampla diversidade cultural e que resulta de vários processos históricos. “Desde os tempos pré-colombianos a gente sabe da presença de povos indígenas de diferentes troncos linguísticos e a Amazônia tem uma diversidade cultural e linguística ímpar no mundo”, aponta. “Na Amazônia a gente tem quatro troncos principais e várias línguas isoladas, então, é uma diversidade absurda. E na bacia do Tapajós a gente tem falantes desses quatro troncos”.
A arqueóloga explica que, além da diversidade cultural e linguística entre as populações indígenas que vivem no entorno da bacia do Tapajós, há ainda a presença de povos tradicionais não-indígenas na região, incluindo tanto as comunidades quilombolas, concentradas especialmente na área do baixo Tapajós, como também várias comunidades tradicionais e camponeses, que podem ser tradicionais ou não. “Isso configura uma pluralidade cultural e social realmente impressionante e o que esses vários grupos, que são muito diferentes entre si, têm em comum é que eles vivem próximos da terra e têm um conhecimento acumulado sobre ela, sobre a natureza que é muito diferente do conhecimento externo e da visão de quem não é dessa região”, considera. “O que é interessante da arqueologia é que a gente consegue demonstrar como essa presença humana é muito recuada. Então, é muito provável que os primeiros humanos que vieram para essa região chegaram, provavelmente, há uns dez mil anos atrás ou mais”.
Com o processo de colonização europeia e o avanço da sociedade nacional, o que se observa, segundo Bruna, é que esses territórios que eram basicamente indígenas, vão sendo fragmentados. Processo que se intensifica com a chegada de escravizados de origem africana que vão formar os quilombos e com a vinda já no século XIX, de seringueiros do Nordeste que, a partir da quebra da borracha, vão virar camponeses. “Você tem aí essas configurações onde essas comunidades tradicionais tiveram muitas interações com as comunidades indígenas, mas que também trouxeram as suas tecnologias e conhecimentos e formam novas sociedades”, considera. “Quando a gente olha para esses povos e culturas que têm uma origem muito antiga e uma história muito rica, a gente percebe que, na verdade, a Amazônia é muito mais complexa do que a visão limitada de quem não vive aqui. Muitas vezes, querem entendê-la apenas com essa chave de ser uma fonte de recursos naturais”.
A professora considera que muitos dos recursos que existem, hoje, na região estão lá porque pessoas, no passado, também fizeram algum manejo dessa natureza e continuam fazendo esse manejo hoje. “Se a gente for falar em desenvolvimento, a gente precisa pensar em formas de fazer com que essas comunidades tenham como se sustentar dentro dos seus territórios, gerando riquezas, mas sem destruir. E tem como isso ser feito, já está sendo feito em alguns lugares, então, precisa de apoio e incentivo do poder público”.
RIQUEZA NATURAL
A integração entre os diferentes estudos que envolvem tanto a biodiversidade e os recursos ambientais presentes na bacia do Tapajós, quanto à diversidade de conhecimento acumulada por suas populações tradicionais também é defendida pelo professor do Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais da Amazônia (PPGRNA) da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), Ricard Scoles.
O pós-doutor em ecologia florestal considera que, hoje, já se tem certo conhecimento sobre a biodiversidade presente na bacia do Tapajós, especialmente na parte mais baixa, que é mais acessível. Porém, é preciso considerar que ainda há muito a se conhecer sobre essa riqueza natural. “Nessa região mais baixa temos bastante trabalhos na área florestal e aquática e temos avançado bastante no conhecimento sobre a biodiversidade na Bacia do Tapajós, mas na parte alta, que seria aquela que inicia-se depois das corredeiras de cachoeiras, de Itaituba para cima, a situação é bem diferente. O conhecimentoainda é precário”.
O professor lembra que diferentes grupos de animais e de plantas já foram identificados sobretudo nos últimos 10 anos, com a chegada da Ufopa na região, o que levou a um crescimento no número de pesquisadores capacitados para a identificação de determinadas espécies na região, principalmente no que se refere ao grupo dos peixes. “Então, há muitos avanços em relação ao conhecimento da biodiversidade, mas há uma região da bacia, que é aquela mais meridional, a parte alta do rio e seus afluentes, que precisa ainda de muito trabalho e estudos. Como é uma região de difícil acesso, então, sãomenos conhecidas”.
Livro reúne informações sobre o rio
Os avanços já conquistados e os desafios ainda enfrentados e que envolvem diversos setores da sociedade na bacia do Tapajós estão presentes em uma publicação recente e da qual participam os dois professores da Ufopa, Bruna Rocha e Ricard Scoles, além de outros pesquisadores de outras instituições. Intitulado ‘Tapajós sob o Sol’, o livro reúne cinco artigos que destacam as características ecológicas, socioculturais e econômicas da bacia do Tapajós. “Uma das coisas importantes da publicação é reforçar a importância da manutenção dos serviços ecossistêmicos que o rio e a bacia oferecem. Que ele seja um rio livre e saudável”, destaca Ricard Scoles. “Livre no sentido de que não tenha grandes obstáculos, barragens que dificultem o trânsito tanto das populações ribeirinhas que dependem do rio, quanto dos animais; e saudáveis porque hoje temos um problemão que não é novo, mas que se intensificou nos últimos anos devido o aumento no preço do ouro e a desvalorização do real, que é a intensificação dos garimpos, tantos os legais, quanto os ilegais. Isso, já sabemos, está afetando inclusive a cor e a qualidade das águas”.
A publicação foi editada pela International Rivers (IR) e está disponível para consulta em versão PDF através do site da Ufopa.
O rio Tapajós em números e informações
A maior parte dos estudos sobre a biodiversidade do rio Tapajós estão concentrados no trecho que vai de Itaituba a Santarém. Na década de 1970 e 1980, destacam-se alguns estudos de fauna no Parque Nacional da Amazônia (margem esquerda do rio Tapajós) que registraram 448 espécies de aves e 101 de mamíferos.
Na Floresta Nacional do Tapajós, localizada na margem direita do rio Tapajós, estimam-se a presença de 342 aves, 135 espécies de mamíferos e mais de uma
centena de répteis.
O seu conjunto de áreas protegidas, formado por 29 unidades de conservação e 30 terras indígenas, ocupam 41% da bacia.
O número de espécies de peixes na bacia do Tapajós ascende a 982, agrupadas em 52 famílias e 334 gêneros, dos quais 6,7% seriam espécies endêmicas.
O Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), registra a presença de 375 sítios arqueológicos nos municípios situados no entorno do rio Tapajós: Jacareacanga (65), Novo Progresso (9), Itaituba (134), Aveiro (6), Rurópolis (21), Belterra (59) e Santarém (81).
BACIA
O rio Tapajós liga o vale amazônico ao Planalto Central brasileiro. Os seus principais formadores são os rios Juruena e Teles Pires.
Ao longo do seu percurso, o trecho repleto de cachoeiras foi tradicionalmente nomeado de ‘alto’ Tapajós, compreendendo os municípios de Jacareacanga, Trairão e Itaituba.
Já o ‘baixo’ Tapajós refere-se ao rio livre e consideravelmente mais largo, incluindo os municípios de Aveiro, Belterra e Santarém.
Por: Cintia Magno/ Diário do Pará