Energias eólica e solar viram protagonistas no processo de descarbonização do planeta

Vistas como principais fornecedoras de energia para a produção de hidrogênio, fontes renováveis devem dar um salto de crescimento nas próximas décadas
Complexo da italiana Enel combina eólica e solar em PernambucoDU FILMES/ESTADÃO

A aposta do mundo no hidrogênio verde para substituir o petróleo e limitar o aquecimento global transformou as energias eólica e solar em protagonistas no processo de descarbonização do planeta. Para ganhar o selo verde, o hidrogênio terá de ser produzido com energia totalmente limpa, a exemplo das duas fontes de eletricidade. E, como o processo exige grande quantidade de energia, os investimentos nessas fontes renováveis terão de ser exponenciais.

No Brasil, calcula-se que para atender à demanda – interna e externa – será necessário dobrar a capacidade atual da matriz elétrica brasileira, acrescentando 180 gigawatts (GW) apenas de energia renovável em 20 anos. Hoje, o Brasil é o terceiro país que mais produz energia renovável no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China, segundo estudo da consultoria Mckinsey. Comparado a esses dois países, no entanto, há por aqui uma maior proporção de energia renovável na matriz, de 85%.

Complexo da italiana Enel combina eólica e solar em Pernambuco
Complexo da italiana Enel combina eólica e solar em PernambucoDU FILMES/ESTADÃO

A maior fatia, no entanto, é de hidrelétrica, em torno de 60%. Mas essa participação deverá cair diante do avanço das eólicas e solares, que atualmente representam 10% e 2% da matriz elétrica, respectivamente. Esses porcentuais, segundo a Mckinsey, devem subir para 30% e 17% em 2040. A expansão das duas fontes só será possível por causa da queda constante dos preços nos últimos anos, tornando-as mais competitivas no mercado. Nos últimos leilões, o preço da eólica estava em R$ 160 o MWh (US$ 28) e da solar, R$ 174 o MWh (US$ 30)  – mesmo patamar das hidrelétricas.

De acordo com dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), só de projetos em andamento o setor deverá acrescentar cerca de 10 GW de eólica no sistema até 2026. Pelos dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a energia do vento pode alcançar entre 110 GW e 195 GW em capacidade instalada até 2050. No caso da solar, o avanço pode ficar entre 27 GW e 90 GW, dependendo do cenário econômico brasileiro. Para alcançar esses números, no entanto, várias usinas e novos modelos de negócios terão de ser desenvolvidos nos próximos anos.

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Exemplo disso vem da nova regulamentação aprovada na semana passada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que tornará viável a construção de usinas híbridas. A regra deve incentivar uma série de novos empreendimentos e também a adaptação de usinas existentes. Ao contrário do que ocorre hoje, em que cada fonte precisa ter uma conexão própria, a entrada em vigor da regulamentação, em janeiro de 2022, vai permitir que as duas fontes ocupem um mesmo terreno e usem a mesma conexão.

Segundo especialistas, embora a medida alcance hidrelétricas e termelétricas, no caso da eólica e da solar há uma complementaridade temporal muito grande. Enquanto o pico da geração eólica ocorre durante a noite, a solar gera durante o dia. “A sinergia criada posterga investimentos em transmissão, dilui custo do uso do terreno, reduz gastos de logística e ainda leva à redução do preço da energia na ponta para o consumidor”, diz a vice-presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Camila Ramos.

De olho nesses ganhos, empresas de energia que têm parques eólicos espalhados pelo País já se debruçam sobre os estudos para transformar os parques existentes e também para iniciar novos empreendimentos neste formato.

A Casa dos Ventos, maior desenvolvedora de projetos eólicos no Brasil, tem planos de acrescentar 650 megawatts (MW) de energia solar nos parques em operação e naqueles que estão em construção. Com isso, a capacidade instalada pularia de 2.850 MW para 3.500 MW.

“Para cada 1 MW de energia eólica, podemos instalar 20% a 30% de capacidade solar”, afirma o diretor de Novos Negócios da Casa dos Ventos, Lucas Araripe.

Segundo Araripe, para cada 1 MW de energia eólica, é possível instalar 20% a 30% de capacidade solar
Segundo Araripe, para cada 1 MW de energia eólica, é possível instalar 20% a 30% de capacidade solarEDU MORAES

Ele diz que, além dos projetos próprios, tem incentivado clientes – que compram projetos da empresa – a adotar o modelo híbrido.

Outra empresa que aposta nos projetos eólico e solar juntos é a italiana Enel, que tem 1,8 GW de eólica em operação no Brasil e cerca de 1,2 GW de solar.https://www.youtube.com/embed/xteQvIk8sds?color=white&playsinline=1&rel=0&enablejsapi=1&origin=https%3A%2F%2Fwww.estadao.com.br

A responsável pela Enel Green Power Brasil, Roberta Bonomi, afirma que a empresa já tem estudos avançados para tornar seus parques híbridos. Por questões estratégicas, ela prefere não falar quais áreas e qual capacidade os projetos vão acrescentar na empresa. Atualmente, o grupo tem um parque híbrido na região de Tacaratu, em Pernambuco. São cerca de 80 MW de capacidade eólica e 11 MW de solar. “Com quadro mais claro, agora podemos falar em dimensões maiores.”

A diretora e relatora da regulamentação das usinas híbridas da Aneel, Elisa Bastos, afirma que, além das eólicas e solares, há uma expectativa de crescimento das soluções de usinas fotovoltaicas flutuantes em reservatórios de hidrelétricas e de utilização de fontes renováveis combinadas com termelétricas, a fim de reduzir o consumo de combustíveis. “Não temos os números ainda, mas acreditamos que veremos esses projetos virarem realidade em pouco tempo.”

Veremos esses projetos (híbridos) virarem realidade em pouco tempo”Elisa Bastos, diretora da Aneel

Atualmente, diz Elisa, há alguns projetos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) que combinam hidrelétricas e usinas solares. O modelo tem sido adotado por Sobradinho, Porto Primavera, Aimorés e Itumbiara.

A multinacional norueguesa de alumínio Hydro também iniciou estudos com a Universidade do Pará para colocar painéis solares nos reservatórios de água da sua mina de bauxita em Paragominas (PA). Além de reduzir a evaporação, também vai gerar energia para o consumo da empresa, que hoje é de 50 MW, diz o diretor industrial da empresa, Evilmar Fonseca. Os reservatórios ocupam uma área de 45 campos de futebol.

EÓLICAS EM ALTO MAR

Outro tipo de projeto que começa a ser estudado no Brasil são as eólicas offshore (em alto mar). Embora o potencial em terra ainda seja gigante, algumas empresas interessadas em desenvolver a cadeia de hidrogênio no País já começam a investir nesses empreendimentos. A presidente da Abeeólica, Elbia Gannoum, destaca que há algumas iniciativas no Estado do Ceará exatamente para a produção de hidrogênio – o Estado quer criar um polo de produção do combustível.

“Estamos organizando um decreto até o fim de dezembro para regulamentar a cessão do uso do mar para as eólicas”, diz Elbia. A medida deve incentivar o início de mais estudos no País, apesar de a diferença entre a energia offshore e onshore serem muito díspares. Cada MW de energia gerada por eólicas onshore custa cerca de US$ 15. Os projetos em alto mar custam US$ 80, mas a capacidade instalada é muito maior. “Os preços estão caindo muito rapidamente. Em pouco tempo as usinas estarão bem mais competitivas.”

Elbia diz que o preço das eólicas offshore está em queda e, em pouco tempo, as usinas ficarão mais competitivas
Elbia diz que o preço das eólicas offshore está em queda e, em pouco tempo, as usinas ficarão mais competitivasFLAVIA VALSANI

É com essa convicção que a petroleira Equinor apresentou um pedido ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) para avaliar o potencial de desenvolvimento de um projeto eólico offshore nos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Os projetos Aracatu I e Aracatu II teriam uma capacidade potencial total de 4 GW. Se for considerado viável, o complexo terá 320 geradores em cerca de 20 quilômetros da costa, em águas entre 15 e 35 metros de profundidade, e geradores de 12 megawatts (MW), conforme estudos técnicos iniciais da área. “Queremos transferir nosso conhecimento e nossa competência no mar para as eólicas (offshore) e gerar energia limpa”, diz a presidente da Equinor no Brasil, Veronica Coelho.

No caso das eólicas, além das usinas híbridas e das offshore, um componente que tem ajudado no avanço da capacidade instalada é a evolução dos equipamentos e da tecnologia. Lucas Araripe, da Casa dos Ventos, diz que, na época do Proinfa (programa de incentivo às fontes renováveis), no início dos anos 2000, os aerogeradores tinham capacidade inferior a 1 MW. “Hoje, as máquinas são de 4,5 MW a 6 MW. A potência aumentou e as pás também”, diz Araripe.

Evolução dos equipamentos e da tecnologia tem ajudado no avanço das eólicas
Evolução dos equipamentos e da tecnologia tem ajudado no avanço das eólicasJF DIÓRIO/ESTADÃO

A expansão das eólicas e solares também passa pelo desenvolvimento de baterias para armazenar a energia gerada e não consumida em determinados momentos do dia. Como são intermitentes, elas geram tudo que podem, independentemente da demanda. Segundo Elbia Gannoum, a expectativa era de que esses equipamentos fossem viáveis a partir de 2025. “Mas, diante da crise hídrica, acreditamos que esse prazo deve ser antecipado.”

Estamos estudando usinas híbridas, eólica e solar, com instalação de baterias para armazenar energia. Esse é um jeito rápido para resolver a questão da crise hídrica”Roberta Bonomi, responsável pela Enel Green Power Brasil

Segundo ela, alguns fornecedores estão investindo pesado nesse assunto, com resultados satisfatórios. A Enel, por exemplo, já tem projetos de usinas híbridas, eólica e solar, com a instalação de baterias para  armazenar a energia. “Estamos estudando essa questão do armazenamento e acreditamos que no segundo semestre de 2022 já teremos alguma posição. Esse é um jeito rápido para resolver a questão da crise hídrica”, diz a responsável da Enel Green Power Brasil, Roberta Bonomi.

Segundo ela, hoje o País não tem baterias de lítio, ou seja, teriam de ser importadas. Seria importante, diz a executiva, que essa cadeia de fornecimento fosse desenvolvida no mercado interno. “Os preços já caíram bastante por causa da mobilidade elétrica e se tornaram competitivos.”

Fonte: Estadão