Pagamentos foram feitos pela Griffo, de Orly Bezerra, e contemplou até emissora de Manaus, além de jornalista que integraria rede de fake news.
A Griffo Comunicação usou dinheiro da Prefeitura de Belém (PMB) em uma série de pagamentos estranhos, para veículos de comunicação e jornalistas, no ano eleitoral de 2020, em um montante de recursos ainda indeterminado. Os pagamentos contemplaram até mesmo emissoras de TV dos municípios de Manaus, capital do estado do Amazonas, e de Castanhal, no Nordeste do Pará, além de um jornalista que integraria uma rede de fake news contra o Governo do Estado, e que seria comandada pelo marqueteiro Orly Bezerra, dono da Griffo. Coincidência ou não, alguns dos jornalistas e veículos beneficiados também defenderam os candidatos apoiados pelo então prefeito, Zenaldo Coutinho, e pelo ex-governador Simão Jatene, além de criticarem o candidato do PSOL, Edmilson Rodrigues, que, no entanto, acabou eleito prefeito de Belém.
Entre eles chama a atenção dois pagamentos de R$ 48.500,00, num total de R$ 97 mil brutos, para uma TV do Amazonas, cujo sinal de transmissão chegou a Belém apenas no final de julho do ano passado. Segundo a Nota de Empenho 145/2020, de 24 de julho, e que se encontra no portal municipal da Transparência, as notas fiscais desses pagamentos foram emitidas na mesma data: 11 de agosto, ou seja, em período eleitoral. A emissora tem como principal estrela o apresentador Sikera Jr, partidário do presidente da República, Jair Bolsonaro. O apresentador esteve em Belém, em 27 de novembro, para fazer campanha para o candidato Everaldo Eguchi, do Partido Patriota, que concorreu à PMB, no segundo turno, contra Edmilson. No entanto, acabou praticamente expulso por feirantes, em visitas que fez às feiras da cidade, ao lado de Eguchi. A Nota de Empenho não esclarece o que foi veiculado pela emissora. Diz apenas que se tratou de um “pacote de mídia”.
Outros 5 pagamentos, alguns deles também no segundo semestre, e que totalizaram R$ 176.400,00 brutos, beneficiaram uma certa “TV Capital”. O DIÁRIO conseguiu obter, junto a uma fonte, as Notas Fiscais, emitidas em 5 de maio, 4 de junho, 6 de julho, e 3 e 11 de agosto. Os pagamentos seriam referentes a um “plano de mídia”, para divulgação das ações da PMB. A emissora pertenceria à Nordeste Comunicação e Marketing Ltda – ME. Na Receita Federal, consta que uma empresa com esse mesmo nome fica no município de Castanhal. Ela pertence ao jornalista Ângelo Antônio da Raiol e à sócia dele, Antonia Elane Lopes. Possui um capital de apenas R$ 50 mil, ou três vezes menos do que recebeu da PMB. Mas a empresa não possui nome de fantasia e o DIÁRIO não conseguiu localizar, nem no Google, qualquer vínculo formal entre ela e a TV Capital. Já nas redes sociais aparece uma TV Capital cuja propriedade é atribuída ao ex-deputado federal Wladimir Costa, que também defendeu os candidatos de Zenaldo e Jatene, Thiago Araújo e Everaldo Eguchi. Não há como se afirmar que seja a mesma empresa. pelas informações até agora obtidas. Os mais de R$ 176 mil pagos à TV Capital superam pagamentos a algumas das maiores emissoras paraenses.
Na lista de contemplados há, também, um certo portal “Amazonia Notícias”, que recebeu 5 pagamentos, totalizando R$ 40.740,00. As notas fiscais foram emitidas em 5 de maio, 4 de junho, 15 de julho, 3 de agosto e 21 de dezembro, e seriam referentes à divulgação de ações da Prefeitura, inclusive com a veiculação de um banner. O portal pertence à RB Comunicação Ltda -ME. Na Receita Federal, uma empresa com esse nome pertence ao jornalista Ronaldo Brasiliense (sócio administrador) e ao irmão dele, Paulo Eduardo.
O nome de fantasia é Agência Amazonia de Comunicação, Assessoria e Marketing e as suas atividades registradas são de consultoria, nas áreas de gestão empresarial e publicidade. O capital é de apenas R$ 20 mil, ou a metade do que recebeu da PMB. Ronaldo é um aliado de longa data dos tucanos paraenses e já prestou vários serviços ao marqueteiro Orly. No ano passado, os dois, além de blogueiros e radialistas, foram alvos de operações da Polícia Civil, para desarticular uma suposta rede de fake news (notícias falsas), que teria como alvo o atual governador e seria patrocinada pelo marqueteiro. Na casa de Orly, a polícia encontrou mais de R$ 100 mil em dinheiro. Em novembro do ano passado, dois desses blogueiros perderam os recursos que interpuseram no Supremo Tribunal Federal, contra essas operações, que cumpriram mandados judiciais de busca e apreensão em vários endereços ligados à suposta rede de notícias falsas.
Escândalo
Esse não foi, porém, o primeiro escândalo a envolver a estreita relação entre Orly e Ronaldo. No ano eleitoral de 2014, o blog Vionorte, do jornalista Paulo Leandro Leal, vazou uma série de e-mails trocados pela dupla, depois que Ronaldo esqueceu aberta sua caixa de emails, em um cyber café. Neles, Ronaldo chegava a enviar a Orly “reportagens” que acabara de publicar no jornal O Paraense e que pretendia reproduzir na coluna que mantém em um grande veículo de comunicação do estado.
As matérias faziam acusações às lideranças de oposição aos tucanos. E, além desse tipo de “reportagens”, O Paraense se dedicava apenas a tecer elogios à administração do então governador Jatene. Seu preço de capa era de R$ 1,00, mas era distribuído gratuitamente em vários pontos de Belém. Daí o escândalo quando se descobriu, entre os emails, um documento mostrando que a Griffo usava dinheiro que recebia da Secretaria de Comunicação do Governo do Estado para pagar nada menos que R$ 35 mil por duas páginas de anúncios daquele jornal inexpressivo, a cada edição. E como a periodicidade dele era quinzenal, a estimativa é que estivesse recebendo R$ 70 mil mensais do Governo (ou quase R$ 102 mil em valores atualizados pelo IPCA-E do mês passado), para atuar na campanha eleitoral daquele ano.
Orly foi o marqueteiro dos principais candidatos do PSDB ao Governo e à Prefeitura de Belém: Almir Gabriel, Jatene e Zenaldo. E depois que foram eleitos, a empresa de Orly, a Griffo, ganhou as milionárias licitações de propaganda dos governos deles, em uma impossível coincidência que se repetiu ao longo de 20 anos. O Paraense era editado por uma empresa de Ronaldo, a Agência Amazônia de Notícias Ltda, extinta no mês passado.
Outros pagamentos
Na última quinta-feira, o DIÁRIO pediu à Coordenadoria de Comunicação (Comus) da PMB as cópias dos empenhos e notas fiscais dos pagamentos efetuados pela Griffo, no ano passado, e se possível, acesso à íntegra desses processos. No entanto, ainda não obteve resposta. Mas as Notas de Empenho no portal da Transparência mostram outros pagamentos estranhos, como os quase R$ 5 mil recebidos pela rádio Itaparica, em duas parcelas de R$ 1.940,00 e R$ 2.910,00, datadas de 22 de julho e 21 de dezembro. Aparentemente, a emissora, que fica no Jardim Maguari, em Belém, pertence ao radialista José Luiz Capa Preta, outro partidário do presidente da República e que também apoiou os candidatos de Zenaldo. Em 27 de outubro do ano passado, era visível, no site da rádio, um cartaz com uma foto do candidato tucano a prefeito, Thiago Araújo, em companhia de um candidato a vereador. Na última quinta-feira, também no site, o radialista divulgava uma fake news afirmando que o presidente Bolsonaro já tinha pronto um decreto para criar um “Tribunal Constitucional Militar”, com poderes superiores ao do Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta corte de justiça do País. Não se sabe se os dois pagamentos já localizados à emissora foram os únicos. E pode não ser coincidência que a Griffo também tenha pagado anúncios no portal Radionet, que funciona como um agregador de rádios on-line. O portal teria exibido banners da PMB. Mas a falta de documentos ainda não permite dizer de qual portal se trata, já que o Google aponta duas Radionets, uma sediada em Pernambuco, outra no Paraná.
As Notas Fiscais já obtidas pelo DIÁRIO mostram, ainda, outra estranha transação. Em 21 de dezembro do ano passado, em meio à crise provocada pela Covid-19 e no apagar das luzes da administração de Zenaldo, a PMB pagou à Griffo mais de R$ 330 mil pela confecção de um informativo chamado “Jornal Legado”. Com 116 páginas, no formato 27X29 cm, policromia, teve uma tiragem de 10 mil exemplares e, talvez, o custo unitário mais caro do Brasil: cada jornal saiu por R$ 20,90, ou quatro vezes o preço de capa dos jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, da última sexta-feira. O pior é que não se sabe a quê ou a quem tal “legado” se refere. Mas, se for ao ex-prefeito, pode configurar até improbidade administrativa. O DIÁRIO solicitou à Comus uma cópia da publicação, mas ainda não obteve resposta. Uma fonte disse, no entanto, que não haveria, no processo de pagamento, qualquer cópia do pitoresco jornal, e que isso seria irregular. Na Nota de Empenho 209/2020, que está no portal da Transparência, consta que ele foi impresso por uma empresa denominada Marques Editora.
Fonte: Diário Online