Como mitigar os efeitos da pandemia no ensino das Ciências Agrárias? A pergunta instigou a Profa. Dra. Adriana Caroprezo Morini, responsável pela disciplina Anatomia dos Animais Domésticos I do curso de Zootecnia do Instituto de Biodiversidade e Florestas (Ibef). Ela buscou inspiração em um ex-professor de graduação, que também foi seu colega de pós-graduação, e apoio do Programa de Enfrentamento aos Impactos da Pandemia (PAEM) para criar o que chamou de “Kit Delivery de Anatomia Animal”.
“A ideia original é do professor Carlos Eduardo Ambrósio, que é vice-diretor da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP. Ele é coordenador do Laboratório de Anatomia Animal, no campus de Pirassununga (SP). Lá eles entregaram kits para os alunos das aulas práticas de veterinária, à distância. A partir daí, pensei numa forma de adaptar para os nossos alunos de Zootecnia”. A professora foi em busca de parcerias para executar o projeto. Acertou com o Núcleo de Vigilância em Saúde a doação dos animais.
Parceria com Núcleo de Vigilância em Saúde de Santarém — De acordo com a médica veterinária Alessandra Camilo Castro Chaves da Costa, do setor de vigilância animal, os animais repassados para a Ufopa são aqueles que chegam ao núcleo com doenças irreversíveis e precisam sofrer eutanásia. Em vez de ser enterradas em lixões sanitários, as partes são tratadas pelos técnicos da Ufopa e viram material para auxiliar no aprendizado dos alunos. “A Ufopa sempre nos ajudou todos os anos com voluntários para as campanhas de vacinação antirrábica, e agora procuramos ajudar de alguma forma para contribuir com o aprendizado dos alunos”, reconheceu a médica.
A professora relatou que, de posse das informações necessárias, incluindo os materiais, entrou em contato com a direção do Ibef. “A compra dos insumos [para a manutenção do material] foi graças aos recursos do Programa de Enfrentamento aos Impactos da Pandemia de Covid-19 (PAEM). “A professora Alanna [diretora do Ibef] incorporou a proposta ao projeto PAEM, que tem como objetivo mitigar os efeitos da pandemia no ensino das Ciências Agrárias, desenvolvendo ações e estabelecendo estratégias para suporte às disciplinas dos cursos, através da confecção de material didático, que inclui métodos e práticas de ensino e de aprendizagem”, explicou Morini.
Ela informou ainda que o álcool 70% necessário para a conservação de parte do acervo foi conseguido por meio de uma doação articulada pela direção do Ibef junto à Fundação de Integração Amazônica (FIAM).
Kits Delivery Anatomia Animal — Foram confeccionados 23 pares de kits, que atendem a todos os alunos matriculados na disciplina. A caixa plástica contém um hemiesqueleto (hemicrânio, hemicoxal, atlas ou áxis, costela, escápula, vértebra torácica, vértebra lombar, vértebra caudal, hemissacro, úmero, rádio e ulna, fêmur, tíbia e fíbula) de cão macerado e higienizado. Em outro recipiente, acondicionado em saco plástico, estão as vísceras do animal (desde a língua até a região anal), também lavadas e já conservadas em álcool 70%.
O técnico do LabMORFO, Ângelo Abaal, foi o responsável pelo tratamento dos esqueletos e preparou os kits com o auxílio do monitor Thiago Rocha. “Sou médico veterinário com especialização em clínica médica e cirurgia de cães e gatos. Treinei o estagiário e juntos fizemos o trabalho”. Ele explicou ainda que os ossos são entregues totalmente limpos aos alunos. Quanto às vísceras, o cuidado é apenas no manuseio. “O álcool 70% não faz mal aos alunos, só oriento para não manipular próximo ao fogo devido a ser inflamável”, finalizou.
Aulas práticas — Em horário pré-agendado, os alunos retiraram os kits no LabMORFO, localizado na Unidade Tapajós. “Com os kits em mãos e auxílio de atlas virtual de anatomia, gratuito, disponibilizado para os alunos, bem como videoaulas minhas de estudo dirigido, apontando as estruturas, os acadêmicos identificam, em seu material, os nomes dos ‘acidentes ósseos’, bem como os dos órgãos e suas particularidades, em suas próprias casas, sem aglomeração e riscos desnecessários de exposição à Covid-19”, ilustrou a professora.
Ela especificou que os alunos vão ficar com os kits até o fim do próximo semestre, quando terão aulas da disciplina de Anatomia II. “Eles devolverão apenas os ossos, que já passam a fazer parte do acervo do laboratório”.
Comissão de Ética Animal — O projeto do uso de esqueletos de animais eutanasiados foi submetido à Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA/Ufopa) e, após aprovação, foi iniciado o contato para a aquisição de cães já “eutanasiados”. Os animais foram adquiridos semanalmente e eviscerados e macerados para confecção dos kits. “Abaal Lisboa também teve papel relevante na montagem e entrega dos kits, junto com monitor da disciplina, Thiago Rocha”, expressou a professora.
E os alunos, o que pensam a respeito? — Cursando o 3º semestre de Zootecnia, Jecimara Santiago Soares Pinto já tinha desistido das aulas práticas, e diz que sente falta das aulas no laboratório e dos colegas. Ficou surpresa quando soube dos kits. “Eu achei que não ia ter aula prática, só ia ter aula teórica, e foi uma surpresa pra mim quando a professora falou da oportunidade das aulas práticas”. Ela ressalta também a importância do material. “A gente precisava dessas aulas para poder assimilar melhor o conhecimento”.
Aluno do 3º semestre de Zootecnia, Aron de Sousa Carvalho diz que no início teve muita dificuldade com as aulas remotas, mas depois adaptou-se, apesar de sentir falta das aulas práticas. “Com os kits melhorou bastante, a gente tem meio que um contato com a aula prática; até melhora o método de estudo, em relação a ficar direto fixado no computador. Olhando os kits de anatomia é mais fácil fixar o conteúdo”.
Os kits estão ajudando também o aprendizado do aluno indígena Lisandré Korap Munduruku, do curso de Agronomia. Ele é oriundo da aldeia Saweré Apompu, localizada a 43 km de Itaituba. Teve de voltar para casa depois da possibilidade das aulas remotas. Mas enfrenta algumas dificuldades. “Na aldeia não tem Internet, quando não está chovendo consigo assistir às aulas ao vivo. Muitas vezes, quando é a prova, preciso sair da aldeia. A gente está lutando para poder terminar o curso”. Ele é um dos alunos beneficiados com o chip de Internet fornecido pela Ufopa para apoio às aulas remotas.
Lenne Santos — Comunicação/Ufopa