Conheça um pouco da história do SOME no município de Santarém, Oeste do Pará
Por: Eládio Carneiro Neto
Nesta quarta-feira, 15 de abril de 2020, o Sistema de Organização Modular de Ensino – SOME completa 40 anos de incorporação ao sistema de educação do Pará e tem contribuído, sobremaneira, na construção da cidadania e formação da juventude rural, ribeirinha, quilombola e indígena paraense. Por conta disso e como forma de comemorar a data, escrevemos este opúsculo, com alguns fatos da trajetória do SOME, desde os seus primórdios até os dias atuais. Em destaque, o SOME no município de Santarém, no Oeste do Pará.
A origem do SOME, de acordo com a obra “Resgate da História e Memória do SOME”, publicado no blogue do Riba, está intimamente ligada a vontade de estudantes concluintes do 1o grau da Vila de Marituba, nos arredores de Belém, que desejavam dar continuidade em seus estudos no 2o grau. Vejamos a seguir, o que diz o texto:
“Por vários anos, a organização administrativa do ensino de Segundo Grau (atualmente Ensino Médio) no nosso Estado ficou sob a responsabilidade da Fundação de Educação do Pará – FEP, hoje extinta, surgindo a Universidade Federal do Pará – UEPA, em seu lugar. Na década de 70, durante a gestão do governador Tenente Coronel Alacid da Silva Nunes, alunos da então Vila de Marituba, hoje município da região metropolitana de Belém, concluintes pertencentes a diversos interiores do curso de Primeiro Grau (Atualmente Ensino Fundamental Maior), desejando dar continuidade a seus estudos, mas não tendo condições de arcar com os custos dessa continuidade em Belém, reivindicaram junto à base política aliada do governador que os atendessem com o curso de Segundo Grau sem ter que se deslocar para a capital. O governador então pediu à FEP que encontrasse uma maneira de atender a reivindicação das comunidades. A FEP que na época tinha à frente de sua Direção o Professor Manuel Campbell Mourtinho, criou equipes de técnicos, que se deslocaram até as comunidades para fazer as diagnoses das necessidades urgentes para atender os alunos e a alternativa encontrada pela equipe técnica foi através de blocos ou módulos de disciplinas da Grade Curricular do Segundo Grau.
Uma equipe de professores permanecia na localidade por um determinado período de dias letivos (hoje são 50 dias letivos) ministrando um Módulo de determinadas disciplinas. Finalizado um período, outra equipe se deslocava para a comunidade para ministrar mais um Módulo de disciplinas, até que todas as disciplinas da respectiva série fossem ministradas durante o ano.
Avaliação efetuada pela FEP concluiu pela viabilidade de se implantar o atendimento aos alunos das comunidades do interior do Estado com Ensino de Segundo Grau por Módulos de disciplinas; o que veio a ocorrer a partir da década 80 nas sedes dos municípios que ainda não tinham o ensino de 2o Grau implantado.”
Inicialmente, o SOME foi implantado em quatro municípios paraenses: Igarapé-Açu, Nova Timboteua, Igarapé-Miri e Curuçá. O estado do Pará foi o pioneiro neste tipo de projeto no país e serviu de modelo para outros estados como o Amapá.
Dois anos depois, em 1982, o SOME passa a ser administrado pela Secretaria de Estado de Educação (SEDUC). Nesse ano, as prefeituras dos municípios beneficiados com a implantação do sistema participavam informalmente do funcionamento do “Ensino Modular”.
A partir de 1986 foi elaborado um convênio padrão, que passou a ser firmado pelas prefeituras interessadas na implantação do SOME. De acordo com o documento, era de competência do município arcar com a moradia do professor. Esta devia atender condições adequadas de conforto, higiene e segurança para os servidores residirem durante o período de atividades na localidade, observando-se os seguintes parâmetros: a) ter serviços de água, energia e gás (onde tais serviços já sejam do serviço público geral); b) a moradia deve ser preferencialmente para professores do SOME/SEDUC; c) ter mobiliário básico (geladeira, fogão, mesas, cadeiras, camas com colchões); d) ter utensílios domésticos como louças, panelas, talheres, material de limpeza, etc. No dia 18 de abril de 1991, o Conselho Estadual de Educação – CEE aprovou as normas regimentares para o funcionamento do SOME.
O SOME chegou nesse ano de 1991 na região Oeste do Pará. Primeiramente foi implantado em cinco comunidades do município de Santarém: São José (Planalto); Arapixuna (várzea); Aritapera (várzea); Alter do Chão e Boim, no rio Tapajós; Curuai, no Lago Grande e nas sedes dos municípios de Belterra e Aveiro.
Treze anos depois, em 2003, o SOME já estava presente e atendia 79 municípios paraenses, sendo 47 sedes e 122 distritos, totalizando 169 localidades, que por sua vez eram aglutinadas em 35 circuitos (conjunto de localidades nas quais os professores fazem rodízio durante o ano letivo). Este trabalho envolvia 532 professores itinerantes, beneficiando aproximadamente 24.535 alunos, distribuídos entre o ensino fundamental (2.197) e o ensino médio (22.338).
Para se ter uma ideia do crescimento de SOME na região Oeste do Pará, veja a seguir uma estatística publicada nesse ano, em “Situacionalização para o Ensino Modular”.
De autoria do coordenador do SOME Polo Santarém, Francisco Édson Sousa de Oliveira, o texto foi estampado no Modular Notícias. Vejam o que diz:
“…Somente este ano o programa recebeu as seguintes comunidades: São Ciríaco do Urucurituba, Flexal, Aracuri, Inanu, Santa Cruz, Apacê e Barreiras.
– O programa recebeu também novos colegas professores: Matemática – Ronaldo, Adailson e Miguel Herundino; Geografia – Shayla; Sociologia – Jassson Iram; História – Nazaré Camargo e Cirene; Biologia – Ronilson e Judson; Pedagogia – Cristina Alvoredo; Português – Iolanda e Nezi; Educação Física – Luis Bianor.”
Apesar da expansão do sistema, em 2013, o SOME, sofre um duro golpe: os convênios com as prefeituras deixam de ser obrigatórios e o governo reduz para 80% a gratificação de deslocamento dos professores.
Em 2005, o SOME passa a ser denominado de Grupo Especial de Ensino Modular (GEEM). Alterou-se também o número de módulos ofertados, que passam de quatro para cinco, cada qual com 40 dias letivos, totalizando 200 dias letivos.
Dando continuidade a expansão do sistema na região, a SEDUC implanta o Ensino Médio Modular em mais seis comunidades santarenas: Ajamuri, Vila Anã, Guajará, São Francisco, Cachoeira do Aruã e Vila Gorete, aumentando para 35 o número de comunidades atendidas.
Em 2006, a coordenação do GEEM, Polo Santarém, transfere-se da 5a URE para a Escola Estadual de Ensino Médio Álvaro Adolfo da Silveira, que em maio é autorizada a funcionar como escola polo, pelo secretário adjunto de Logística Escolar, Roberto José Teixeira. Ele tomou a providência considerando que o ensino médio, atendido pelo GEEM funcionava em espaços cedidos pela prefeitura, para atender os estudantes de 36 comunidades do município de Santarém, onde não existe escola estadual.
Além disso, Roberto Teixeira considerou a necessidade de cadastrar os discentes do ensino médio, atendidos pelo GEEM, com o fim de inseri-los nos programas da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) e do Governo Federal, para que em 2007 eles pudessem receber benefícios como transporte, merenda escolar e ter acesso a outros programas.
Nesse ano também foi anotado uma implantação do SOME, na comunidade de Igarapé do Costa, na várzea santarena. Dessa forma o polo passa a ser formado por 47 comunidades, sendo 36 em Santarém, seis em Belterra e cinco em Aveiro. Foi anotado também, de 1o à 3 de agosto, nas dependências da 5a URE, o II Encontro de Capacitação dos Professores do GEEM, Polo de Santarém.
No ano de 2007, 24 comunidades do município de Santarém estavam na listagem de espera, aguardando uma decisão da Seduc para a implantação do GEEM: Pedra Branca, Muratuba, Vila Franca e Solimões, no rio Tapajós. Na região do rio Arapiuns seis comunidades estavam na fila: Mentae, Curi, Aminã, Atodi, Lago da Praia e Vila Brasil. No planalto santareno três comunidades esperavam o GEEM: Corta-Corda, Bom Futuro e São Raimundo do Moju.
Só foram feitas quatro implantações: em Araci e São Jorge, no Lago Grande e Saracura e Santa Maria do Tapará, na várzea. A partir de então o polo passa a ser formado por 51 comunidades.
Nesse ano, também é alterado, através da portaria no 186/2007, o nome do GEEM – Grupo Especial de Ensino Modular, que volta a ser chamado de SOME. Em dezembro, objetivando reestruturar o Ensino Modular, a SEDUC promoveu o 1o Seminário de Reestruturação do SOME. Entre as propostas de mudanças duas: a nucleação e o currículo integrado.
Em 2008, o Polo Santarém atendeu 51 comunidades: 40 em Santarém, seis em Belterra e cinco em Aveiro. Dois fatos entretanto foram anotados e devem ser socializados: os estudantes do Ensino Médio Modular – EMM, da Escola Municipal Ladislau B. Pedroso, localizada na comunidade de Aramanaí foram transferidos para a escola sede Waldemar Maués, em Belterra. O SOME, portanto, deixou de funcionar em Aramanaí, depois de três anos que foi implantado nessa comunidade. O outro acontecimento foi a implantação do SOME, na comunidade de Andrelândia, no município de Aveiro.
Em 2009, com a criação do circuito indígena (comunidades de Maro, Caruci e Vista Alegre – no rio Arapiuns e Vila Franca e Muratuba – no rio Tapajós), o SOME, Polo Santarém passa a atender 55 comunidades, sendo 45 em Santarém, cinco em Belterra e seis em Aveiro.
Em 2010, em consequência da luta dos professores, juntamente com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará – Sintepp, foi feita a inclusão do SOME, no Plano de Cargos Carreira e Remuneração – PCCR e garantido no esboço do Projeto da Regulamentação da Lei Especifica do Some, a conquista da gratificação de deslocamento nas férias e no 13º salário. Foi anotado também a desimplantação do Ensino Médio Modular (EMM), na comunidade do Trevo, no município de Belterra.
Nos dias 15, 16 e 17 de novembro de 2012, um acontecimento pioneiro foi anotado: a realização do 1º Encontro Pará-Amapá do SOME, em Santarém, com a participação de aproximadamente 400 educadores de várias regiões dos estados do Pará e Amapá.
No ano seguinte, no período de 05 a 07 de setembro de 2013, foi realizado o 2º Encontro Pará-Amapá do SOME com o tema: Integração, Revitalização e políticas Públicas para os povos do Campo, dos Rios e das Florestas.
Este foi um ano histórico para o SOME. Através da greve dos trabalhadores em educação foi assegurado a efetivação das políticas públicas do estado do Pará e municípios, com a educação pública: como transporte escolar, merenda escolar de qualidade, espaços pedagógicos e recreativos, segurança nas comunidades, moradia digna para os professores entre outros pontos da pauta de reivindicações.
Também é bom destacar, que final da greve, depois de 52 dias de paralisação e muitas discussões e debates com o Governo, os trabalhadores conseguiram, através dos acordos celebrados, que fosse enviado o Projeto da Lei Específica do SOME à Assembleia Legislativa do Pará – ALEPA.
Finalmente em Abril de 2014, O SOME deixa de ser um projeto. A aprovação da Lei nº 7.806, de 29 de abril de 2014, pelaALEPA, confere ao SOME o status de Política Pública de Educação do Estado do Pará. A lei passou a vigorar em junho de 2014.
No período de 09 a 11 de Abril de 2015 aconteceu o 3º Encontro Pará-Amapá do SOME com o tema: O Some que temos e o Some que queremos: Direitos, Desafios e Compromissos. Desta vez, o encontro foi realizado na cidade de Bragança.
No dia 16 de maio de 2015, durante a V Conferência Municipal de Educação foi realizada a votação das metas do Plano Municipal de Educação (PME) e o Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME), Polo Santarém, representado por Rainilza Rodrigues, Markus Sócrates Cordovil, Leno Von e Socorro Fernandes, conseguiu a aprovação de diversas emendas. Entre elas, a renovação do convênio entre Município e Estado visando atender as necessidades básicas do SOME como: transporte escolar, merenda escolar, salas de aula, moradia adequada para os professores, contemplando inclusive o Ensino Médio Modular Indígena (EMMI). Vale ressaltar, que apesar de ter sido aprovado essa proposta no PME, até a presente data o convênio ainda não foi firmado.
Os ano de 2016 foi de muitas lutas e resistência da comunidade escolar do Ensino Médio Modular – EMM, contra a implementação do Sistema Educacional Interativo – SEI em substituição ao SOME.
A proposta foi apresentada pelo coordenador estadual do SOME, professor André Malato, em Audiência Publica realizada na Câmara Municipal de Santarém, no dia do aniversário de 36 anos do SOME, 15 de abril. Naquele dia, em sua fala, André Malato perguntou para aos presentes: Alguém aqui sabe o que é o SEI?
A indagação certamente ficou sem respostas, pois nem mesmo o próprio defensor e idealizador da implementação do Sistema Educacional Interativo (SEI) no sistema de ensino do Pará, André Malato, tinha um protótipo de sua ideia, para compartilhar com os presentes, como confessou em seu discurso.
A indefinição de seu projeto não convenceu e, acabou criando uma enorme resistência na comunidade escolar em todo o Estado do Pará contra a ideia, uma vez que ela ia de encontro aos pressupostos de melhoria na qualidade da educação, preconizadas pelo Plano Estadual de Educação.
Em Santarém, a luta também foi intensa. No dia 11 de setembro de 2017, uma comissão de professores do SOME/Santarém, reuniu com o prefeito de Santarém, Nélio Aguiar, vereadora Maria José Maia e vereador Didi Feleol, para tratar da implantação do SEI, em 28 comunidades do município. Na ocasião, o prefeito Nélio Aguiar informou aos presentes, que em reunião realizada em Belém, promovida pelo governo do Estado, os prefeitos foram convidados a assinarem ao Termo de Adesão ao SEI.
Como presidente da AMUT – Associação dos Municípios da Transamazônica, juntamente com outros prefeitos, Nélio Aguiar solicitou uma reunião com a secretária estadual de Educação, Ana Hage, para que esta repassasse informações sobre o SEI. Durante a reunião, a secretária disse aos prefeitos sobre a decisão do governo, através da Seduc, em substituir o SOME pelo SEI.
O prefeito Nélio Aguiar, por sua vez, colocou que Santarém não tinha condições de aceitar a implantação do SEI nas 28 comunidades considerando a falta de salas de aulas, a falta de energia elétrica e a oferta do transporte escolar.
“Informei que eu não tinha condição de assinar o documento naquele momento. Eram três convênios. Assinei dois (Propaz e construção de escolas). Ela deu o prazo de 15 dias para darmos um retorno para eles e que decidíssemos em quantas comunidades seria possível fazer a implantação”, falou o prefeito aos professores do SOME presentes na reunião.
Conclusão: O prefeito Nélio Aguiar cumpriu com sua palavra e realmente o SEI não foi implantado em Santarém.
No ano de 2019, um assunto de destaque foi mudança do SOME da escola sede Álvaro Adolfo da Silveira para o anexo rural João XXIII, da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio São Felipe. A mudança foi socializada pela primeira vez na manhã do dia, 07/05, em reunião dos docentes realizada no auditório do Centro Regional de Governo, pelo diretor da 5° Unidade Regional de Educação, Francisco Nascimento. A informação causou polêmica e provocou reação dos professores do SOME.
A SEDUC, por sua vez, em contraponto, argumentava que a medida visava adequar o SOME, às Políticas Públicas para a Educação do Campo, usando como exemplo, o transporte escolar, cujo valor per capita a ser repassado para o aluno rural varia de R$ 700,36, para os municípios com área territorial com menos de 5.000 km2 até o valor máximo de R$ 1.400,72 para municípios com área territorial maior que 50.000 km2. no caso de Santarém. Para o aluno urbano, esse valor é de R$ 525,27.
Ano passado, também foi anotado a implantação do SOME em Mentae, no rio Arapiuns, São José do Ituqui e Quilombo Arapemã, na várzea santarena.
Finalmente chegamos aos dias atuais (2020). Já foi anotado a implantação do SOME em Vila Brasil, no rio Arapiuns e, agora, em abril, estamos vivendo o distanciamento social, com a paralisação das aulas decretado pelo Governo Estadual, por conta da pandemia do Coronavírus (Covid-19) e, amanhã, 15 de abril de 2020, se Deus quiser, comemoraremos os 40 anos do SOME. Desde já os nossos Parabéns!
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Eládio Delfino Carneiro Neto é editor do Modular Notícias e professor do SOME/Santarém