Dois oficiais foram presos na Operação Cobiça e as investigações apontam o uso, inclusive, de uma viatura da Polícia Militar para retirar ouro da região do Tapajós; confira a lista dos 35 PMs investigados que devem ser afastados
As investigações da Operação Cobiça, que resultou na prisão de dois oficiais da Polícia Militar e de empresários suspeitos de um esquema de garimpo ilegal de ouro em terras indígenas no Pará, nesta quinta-feira (28), apontam que o coronel Pedro Paulo de Oliveira e o tenente coronel Jorge Neves Campos aliciavam subordinados para fazer a segurança e o transporte do minério. A informação consta no inquérito da Polícia Federal ao qual o g1 teve acesso.
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A operação, que ocorreu em Santarém, Itaituba, Altamira, Rio de Janeiro e Goiânia, cumpriu quatro mandados de prisão, sendo presos os dois oficiais da PM, e os empresários Márcio Macedo Sobrinho e Domingos Dadalto Zoboli, da empresa Gana Gold. Também foram cumpridos 21 mandados de busca, apreensão de ao menos 8 carros de luxo e joias, e foi determinado pela justiça o afastamento dos policiais militares envolvidos no esquema.
O Coronel Pedro Paulo de Oliveira é o comandante do Comando de Policiamento Regional X (CPR X) e o Tenente Coronel Jorge Neves Campos comanda o 15º Batalhão de Polícia Militar de Itaituba. O município fica localizado na região do Baixo Tapajós, onde a extração ilegal do ouro põe sob ameaça o povo Munduruku, que vive sob constante pressão do garimpo ilegal que explora minério nas terras indígenas.
Por meio de nota, a Polícia Militar do Pará informou que afastou todos os agentes envolvidos no caso e exonerou os militares que exerciam função de comando. Disse ainda que não aceita desvios de conduta na corporação e que a corregedoria acompanha as investigações da polícia federal.
Além da atuação dos policiais no esquema do garimpo ilegal, o relatório da PF, aponta que, uma viatura da Polícia Militar pode ter sido usada para ajudar a organização criminosa na segurança da extração de ouro na região da Rodovia Transgarimpeira.
No caso do Coronel Pedro Paulo, o acúmulo de bens de alto valor em curto espaço de tempo chamou atenção da PF. Conforme a investigação, a evolução patrimonial do militar é incompatível com seus ganhos, indicando que ele era “remunerado” em paralelo pela empresa Gana Gold. O oficial receberia mensalmente R$ 4 mil da Gana Gold Mineração Ltda, conforme consta em planilha encontrada na sede da empresa. No nome dele, há um veículo registrado no valor de R$ 213.374,00.
O g1 tenta contato com a defesa da empresa Gana Gold.
Em 2022, a Gana Gold foi alvo de uma megaoperação da PF que investigou a extração e o comércio ilegal de ouro em Itaituba. À época, a PF apurou que a empresa havia movimentado R$ 16 bilhões em dois anos, “esquentando” ouro ilegal com documentação falsa. O caso foi mostrado no Fantástico, expondo os “barões” do ouro ilegal no Brasil.
A investigação também identificou a evolução patrimonial da esposa do coronel Pedro Paulo, que possui patrimônio totalmente incompatível com seu salário de enfermeira. Alessandra Prado teve, nos anos de 2018 a 2021, remuneração média de R$ 6.147,85, mas adquiriu nesse período vários bens, entre eles, um automóvel de valor superior a R$ 312 mil e uma fazenda de grande porte no município de Itaituba (Fazenda Paraná-Miry).
Também consta na investigação, que Pedro Paulo estava incluído na folha de pagamentos da organização criminosa liderada por Domingos Dadalto Zoboli e Márcio Macedo. Um dos empresários presos já havia sido condenado três vezes por tráfico de drogas, além de condenações por receptação, tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação com o tráfico.
A empresa e seus sócios são investigados por extração ilegal de ouro, lavagem de dinheiro e pagamento generalizado de propina a policiais militares lotados no Comando de Policiamento Regional X. Os empresários também foram alvo da operação Cobiça, que cumpriu mandados em Santarém, Altamira, Rio de janeiro e Goiânia.
A influência que Dadalto exercia sobre os policiais é destacada em um trecho do relatório da PF. ” (…) as investigações conseguiram extrair áudio encaminhado pelo também investigado Pedro Paulo, em que este confirma o apoio de segurança para a empresa Gana Gold, dando a aparência de que todos os ‘passos’ a serem seguidos pela Polícia Militar no município de Itaituba precisassem ser antes comunicados e autorizados por Dadalto, tudo levando a confirmar a total cooptação dos homens de segurança do Estado pela Gana Golg, deixando a população a mercê de todo o tipo de atividade ilícita”.
As suspeitas sobre o tenente coronel Jorge Campos começaram após ele se envolver em um acidente de helicóptero em setembro de 2020. O helicóptero pertence a Gilson Spier, investigado em inquéritos policiais. O fato do policial de alta patente estar em uma aeronave particular de pessoa investigada pela polícia levantou a suspeita de que ele presta serviços particulares para mineradoras.
A PF também identificou repasses de valores por empresas de comércio de veículos para contas do tenente coronel, e bens de alto valor em seu patrimônio como: caminhonetes e motocicletas.
“A conclusão a que se chega é que, seja por ter relacionamento com pessoas suspeitas em envolvimento em uma série de crimes praticados na região, seja por existir áudio, onde um dos supostos líderes da ORCRIM literalmente/expressamente informa à sua esposa o pagamento de propina, entendo haver fortes indícios da participação de Jorge Campos como beneficiado pelo pagamento de propina envolvendo as investigações”, diz outro trecho do relatório da PF.
Em relação aos outros policiais alvos de busca e apreensão na Operação Cobiça: major Jarlisson Rebelo Gonçalves, capitão Roberto Scalabrin, sargentos Mendes, Vinícius, Jackson e Carneiro, e do cabo Sales, todos em Itaituba, as investigações apontam que eles receberam valores repassados ora por empresas, ora por seus superiores. Do mesmo modo havia movimentação suspeita de valores deles para cotas de seus superiores.
Transferências
Além das prisões dos oficiais Pedro Paulo e Jorge Campos, o juiz federal Carlos Gustavo Chada Chaves, da 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Pará, determinou que 35 policiais investigados (lista abaixo) sejam impedidos imediatamente de exercerem seus ofícios militares no 15º Batalhão de Polícia Militar, na 7ª Companhia Independente de Polícia Militar e na 17ª Companhia Independente de Polícia Militar, assim como da sede do Comando de Policiamento Regional X.
Caso o Comando Militar tenha interesse, pode transferir os policiais para unidades militares distantes pelo menos 100km das de origem.
O juiz também determinou que sargento Otacy Cardoso seja transferido para unidade militar distante pelo menos 100km do 15º Batalhão de Polícia Militar, da 7ª Companhia Independente de Polícia Militar e da 17ª Companhia Independente de Polícia Militar, assim como da sede do Comando de Policiamento Regional X, não devendo assumir posição de comando, liderança ou gerencial.
Otacy da Silva Cardoso, de acordo com as investigações, foi alçado a uma posição de comando dentro da estrutura do Comando de Policiamento Regional X para atender aos interesses das mineradoras.
Veja lista dos 35 PMs investigados que devem ser afastados
Alisson José da Silva Monteiro, Almir Conceição de Araújo, Antonio Braz de S Filho, Antonio Edideus Sousa Pontes, Cicero Lima da Silva, Cleber Matheus Campos do Nascimento, Cynthia Kelle Sampaio, Dioylliam Jekcisson da Silva, Elismauro Goncalves Araújo, Felipe da Costa Bastos, Francisco Doriedson de Oliveira Lira, Giancarlo Correa de Almeida, Handerson Vinnicius Barros Jennings, Jailson Macedo Miranda, Jarlisson Rebelo Goncalves, Joelson José Santos Marques, Jorge Neves de Campos, Josenildo Batista da Silva, Josiel Batista Dias, Kevin Welder Silva Rabelo, Luís Carlos dos Santos, Mackson da Silva Melo, Marcos Valerio da Costa Aires, Maria Aparecida de S Gama, Milton Façanha da Costa Junior, Nathalia Jacome Viana, Pedro Paulo de Oliveira Coelho, Raimundo Alves de Sousa, Renan Patrick Ferreira e Sousa, Renato Coelho Figueira, Rodrigo Ribeiro da Silva, Roberto Scalabrin Lira, Rogelio Santos de Brito, Sidney Braga de Sales e Wandeson Melo Carvalho.
A Polícia Militar do Pará informou que afastou todos os agentes envolvidos no caso e exonerou os militares que exerciam função de comando e que a corregedoria acompanha as investigações.
O g1 não conseguiu contato com a defesa dos citados.
Fonte: Reportagem publicada no g1 Santarém