Estudantes fizeram prova de Ciências Humanas e Linguagens; edição foi marcada por polêmicas envolvendo tentativa de controle sobre o conteúdo do exame
A prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste domingo, 21, trouxe um trecho da música Admirável Gado Novo, de Zé Ramalho, uma charge do cartunista Henfil, questões sobre racismo e uma sobre um texto de Friedrich Engels, coautor do Manifesto Comunista, com Karl Marx. Incluiu, ainda, uma questão de interpretação de texto com a música Sinhá, de Chico Buarque.
Já o tema da Redação deste ano foi “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. O Enem 2021 foi marcado por polêmicas envolvendo tentativa de controle sobre o conteúdo da prova e crise com os servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pelo exame.
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O professor de História João Daniel Lima de Almeida, do Descomplica, disse que ficou surpreso com a qualidade da prova, que tinha questões, segundo ele, “progressistas”. “Censura passou longe”, afirmou, se referindo às denúncias de interferência do governo na prova. Ele menciona como exemplo a questão que tinha um texto de Friedrich Engels, que falava sobre a luta de classes entre o operariado e a classe média.
Para ele, a questão que usou a música Admirável Gado Novo, de Zé Ramalho, apesar de ter sido escrita durante a ditadura militar, falava sobre uma situação que poderia acontecer em qualquer época. “Era sobre a passividade do povo, uma metáfora provavelmente dos tempos atuais.”
Na questão sobre Engels, havia um texto que falava que não se podia confiar na classe média porque ela dizia ser a favor da igualdade e não era. A resposta certa era para o aluno indicar a luta de classes.
A prova de inglês falava da situação das mulheres negras nos Estados Unidos, usando trechos do livro da ex-primeira fama americana Michelle Obama. Além disso, outra questão discutia gênero, ao perguntar sobre as mulheres cientistas no século 19 que só podiam catalogar animais e plantas em viagens com seus maridos.
Duas questões tratavam de escravidão, uma sobre um escravo fugitivo e outra sobre os escravos chamados “tigres”, que levavam os fezes dos senhores quando não havia esgoto. A resposta correta, segundo o professor do Descomplica, era que esse trabalho reafirmava a hierarquia social. Uma questão de interpretação de texto trazia a música Sinhá, de Chico Buarque, que conta a história de um escravo castigado por ter visto a sinhá (mulher branca) nua.
Questões sobre temática indígena também apareceram na prova, como a que falava sobre os jesuítas terem aprendido medicina com indígenas no Brasil. “Não é a cara que o governo queria. Claramente, a prova usa o que se tem no Banco Nacional de Itens (BNI) e mantém o padrão, estilo e formato dos anos anteriores”, diz Gilberto Alvarez, diretor do Cursinho da Poli.
Itens sobre refugiados e minorias também apareceram, mas sem causar polêmica. “Não é que os temas sumiram. Eles apareceram de outra forma, como se tangenciassem (os assuntos).” Já questões sobre a Amazônia, por exemplo, não foram vistos na prova deste domingo. Segundo Alvarez, boa parte da prova usou textos de apoio de anteriores a 2019, o que demonstra um envelhecimento do Banco Nacional de Itens.
“Não apresentou polêmicas, mas dialogou com temas da atualidade, como passividade política, erotização do corpo feminino, racismo, a questão indígena e outros”, disse Daniel Perry, diretor do Curso Anglo. A erotização do corpo feminino apareceu em uma questão que trazia a imagem de uma pin up. Como é comum no Enem, houve “boa distribuição entre questões fáceis, médias e difíceis”, segundo Perry.
Já Alvarez considera que a complexidade do exame neste domingo foi de média a baixa. “Foi uma prova em que muitas questões vão pela interpretação de textos e figuras.”
Em relação ao tema da Redação, parte dos candidatos relatou dificuldades. “Achei um tema atípico, mas muito importante que precisa ser discutido. É necessário conscientizar as pessoas de como são consideradas invisíveis diante da falta de registros”, disse Rodrigo Conte, de 17 anos, que pretende cursar Engenharia.
“Tive mais dificuldade para desenvolver o tema da Redação. Não é um assunto que a gente acompanha na mídia no dia a dia. Poderia ter sido outro tema, mais factual, disse o estudante Gabriel Malisia, de 18 anos.
Estadão