O Grupo Liberal ouviu o irmão e a neta de Alice Antunes, que presidiu a Câmara mesmo sendo que única mulher entre os vereadores da casa
Quem adentra a Câmara Municipal de Belém e se depara com o painel de presidentes da Casa não percebe de primeira, mas basta se aproximar um pouco para notar que nem todos os líderes do parlamento da capital paraense foram homens. Entre 1959 e 1961, Alice Antunes presidiu a Câmara e segue, até então, como a única mulher do cargo. Mas Alice foi além: ela acumula também o título de primeira prefeita de Belém.
Em 1959, ano que o sociólogo José Carneiro chama de “traumático” para a política paraense, o prefeito Lopo de Castro sofre um traumatismo craniano causado por um acidente de trânsito, ocorrido quando ele voltava de uma reunião no antigo bairro da Matinha. A cidade ficou em clima tenso, já que naquele mesmo ano, a política paraense já havia perdido o senador Álvaro Adolfo e o governador Magalhães Barata. O corpo do prefeito atravessou o para-brisa na esquina da avenida Governador José Malcher com a José Bonifácio e ele precisou se licenciar do cargo para se recuperar.
É nesta hora que entra em cena a figura histórica de Alice Antunes, que durante sete meses ocupou a chefia do executivo municipal, sendo a primeira mulher a senda na cadeira da Prefeitura. Décadas depois, Ana Júlia Carepa, que foi vice-prefeita de 1997 a 2001, repetiu o feito em alguns momentos.
Ao fim do período como interina, Alice chegou a se candidatar no pleito municipal de 1962, mas ficou em terceiro lugar, com 2.788. Formada advogada em 1949, Alice também era professora e fundou a escola Abraham Levy, também na capital paraense. O nome da escola era uma homenagem a um amigo falecido. Após a morte de Alice em 1992, o colégio se tornou sede da Procuradoria Geral do Estado.
“Houve quem me perguntasse se eu iria assumir o colégio. Não, não, eu não entendo nada de educação. Ela entrou para a política pela União Democrática Nacional, a coligação anti Barata. Se elegeu presidente da Câmara. Ela era adversária do Lopo, fez várias modificações. Ela criou o colégio Alfredo Chaves, onde hoje é a Companhia de Desenvolvimento do Município, o cemitério São Jorge na Marambaia. Ela era danada, reagia. Depois ela perdeu a eleição para o Moura Carvalho. Era mulher. Naquele tempo tinha essa coisa, né?”, afirma o jornalista Joaquim Antunes, irmão de Alice.
Alice teve um único filho, Henrique, que faleceu em 1989 por conta de um acidente aéreo. A neta da primeira prefeita de Belém, Márcia Antunes, aproveitou a companhia da avó por bons dez anos e a vê como uma inspiração e um orgulho para ela, que é procuradora do município.
“Ela foi uma grande referência na minha vida e eu escolhi minha profissão por conta dela. Passamos 10 anos juntas, muito ricos e muito próximos. Ela era muito presente na minha vida. Foi uma mulher à frente do seu tempo. Se hoje em dia já é difícil se expor em cargos de liderança, imagina na década de 60. Quando ela foi eleita, ela foi a única mulher vereadora da época. Eu lembro que ela falava com muito orgulho de ser da oposição, quando eu era criança eu queria conhecer o Memorial do Barata e ela dizia que nunca, jamais, iria me levar lá, pois era oposição a ele”, recorda a neta.
Márcia diz que pensar na vó a faz lembrar que ser mulher é uma luta diária, pois “ainda hoje a maioria que exerce cargos de liderança é de homens e quando uma mulher se destaca pode ser colocada de lado, questionada”.
Diversas mulheres se candidataram ao cargo mais importante da política de Belém mas, assim como Alice, foram derrotadas nas urnas, com destaque para as votações expressivas de Socorro Gomes, do PCdoB (33,16% em 1992), Elcione Barbalho, do MDB (18,77% em 1996), Ana Júlia Carepa, do PT (41,72% no segundo turno de 2004), Valéria Vinagre Pires Franco, do DEM (13,34% em 2008) e Úrsula Vidal, da Rede, (10,87% em 2016). “Mas ela sem dúvida deixa um legado que ainda há de ser plenamente concretizado. Quando falo meu sobrenome muitas pessoas falam dela, a chamam de ícone, uma pioneira, uma mulher da vanguarda quando o assunto é política”, completa a neta.
Fonte: O Liberal