Alvo do STF e do TSE, aliados radicais do Planalto abrem contas em plataformas como Tik Tok e Telegram para atacar críticos do governo
Na mira de inquéritos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), aliados radicais do presidente Jair Bolsonaro driblam decisões judiciais para manter influência na internet. Integrantes do chamado gabinete do ódio, grupo que atua no Palácio do Planalto, parlamentares bolsonaristas e assessores do governo abriram contas no Tik Tok, aplicativo que atrai os jovens, e incentivam a migração para o Telegram, rede de mensagens instantâneas.
Só o clã Bolsonaro já conta com um milhão de seguidores no Telegram, aplicativo de uma empresa sem representação no Brasil. Nele estão o presidente e seus filhos Carlos (vereador no Rio e apontado como chefe do gabinete do ódio), Eduardo (deputado federal) e Flávio (senador). A rede ainda é incipiente no controle de fake news e, ao contrário do concorrente WhatsApp, não impõe limite para a redistribuição de mensagens.
LEIA TAMBÉM
Partidos resistem a unir oposição em atos; leia o que dizem 14 líderes políticos
O presidente e seus filhos já receberam punições das principais plataformas de redes sociais. Bolsonaro teve publicações excluídas. Carlos e Eduardo tiveram contas no Twitter e no Facebook suspensas temporariamente. O mesmo já ocorreu com o assessor especial da Presidência Tércio Arnaud. Páginas apócrifas mantidas por ele foram excluídas do Facebook por violação de políticas da plataforma. Assim como a família Bolsonaro, o assessor encontrou abrigo no Telegram e no Tik Tok. Sob a chefia de Carlos, ele integraria o gabinete do ódio, grupo que seria formado ainda pelos assessores José Matheus Sales e Mateus Diniz.
Criado na Rússia em 2013, o aplicativo de mensagem se tornou um canal para driblar investigações. “O Telegram é atraente para campanhas de mobilização e de desinformação. E não tem muito como obrigar a empresa a seguir uma lei nacional”, diz Caio Machado, advogado, cientista social e diretor executivo do Instituto Vero, que reúne pesquisadores dedicados à proteção da democracia e à construção de soluções para o combate à desinformação.
Os últimos posts de Carlos Bolsonaro no Telegram são genéricos. No mais recente publicou somente uma bandeira do Brasil. Essas mensagens, no entanto, abrem um espaço em que a tônica são os ataques. A partir das publicações que parecem sem sentido, centenas de apoiadores fazem ataques e trocam links e manifestações agressivas. “Estes canalhas com togas, mandatos e microfones têm realmente muito a comemorar. Todos receberam e continuam recebendo milionários depósitos em suas contas bancárias para promover, incentivar e distribuir os ‘falsos’ imunizantes no Brasil”, reagiu um apoiador.
O link abaixo mostra que o Clã Bolsonaro alcança mais de 1 milhão em canais alternativos no Telegram
https://arte.estadao.com.br/uva/?id=20Z70y
“O Supremo está avançando na audácia de confrontar o presidente Bolsonaro e seus aliados. Eles jogaram a toalha. (Vamos) para o tudo ou nada. Estamos numa guerra, literalmente”, escreveu outro seguidor.
Nos últimos meses, o clã Bolsonaro tem intensificado a convocação da militância para o Telegram. “Acompanhe todas as últimas novidades sobre minha atividade parlamentar, notícias do governo Bolsonaro, guerra cultural e muito mais”, escreveu Eduardo, na quinta, 23.
Provocações
Um outro filho do presidente, Jair Renan, está no Tik Tok. Na rede, ele faz o papel de “digital influencer” e coleciona likes dos seus mais de 400 mil seguidores participando de dancinhas e das “trends” – modelos de vídeos em que jovens reproduzem performances em busca de visibilidade. Foi no Instagram, entretanto, que ele chamou a atenção ao publicar a imagem de armas e provocar a CPI da Covid, que desvendou esquema de corrupção no Ministério da Saúde envolvendo compra de vacinas.
Em sua conta no Tik Tok, o assessor especial da Presidência Tércio Arnaud tem publicado recortes de discursos de Bolsonaro e de críticas a adversários políticos. Apontado como responsável por páginas apócrifas dedicadas à desinformação em favor de Bolsonaro, desta vez ele assina o novo perfil. “Sei onde está o câncer do Brasil. Temos como ganhar essa guerra. Se esse câncer for curado, o corpo volta à sua normalidade. Estamos entendidos? Se alguém acha que eu tenho que ser mais explícito, lamento”, diz Bolsonaro em um vídeo publicado pelo assessor especial.
O assessor explora, no aplicativo, falas contundentes e comportamentos populistas de Bolsonaro, como o vídeo em que ele monta a cavalo enquanto é bajulado por apoiadores. Tudo vai ao ar com trilha sonora, cortes e linguagem próprios dos vídeos virais. Considerado um dos expoentes do “gabinete do ódio”, Tércio é um dos investigados no inquérito das fake news, do STF.
Prejuízos
O cerco judicial aos bolsonaristas tem impactado no caixa da rede de apoiadores do presidente. Movimentar a internet com conteúdos bolsonaristas rende boas receitas aos criadores, ainda que as publicações sejam agressivas ou falsas. Um levantamento da Procuradoria-Geral da República, com dados de 2018 a 2020, mostrou que apenas 12 canais bolsonaristas no YouTube faturaram mais de R$ 4 milhões no período.
No dia 16 de agosto, o TSE determinou que as plataformas de redes sociais suspendessem os pagamentos a outros canais bolsonaristas que obtêm lucro com conteúdos que desinformam e que transformaram em mercado as versões políticas e ideológicas. Estimativas apontam que as 14 contas afetadas, hoje, poderiam render até R$ 15 milhões em um ano.
A medida atingiu o canal de Allan dos Santos, que integra o gabinete do ódio. Em reação, ele apresenta aos seguidores caminhos alternativos. Além de apresentar uma chave Pix, por meio da qual pede doações, pede aos seguidores que contribuam via plataforma paralela.
O “drible” na desmonetização foi explorado durante a CPAC Brasil, conferência da direita conservadora. Organizador da CPAC Brasil, o deputado Eduardo Bolsonaro agendou o evento. Entre as palestrantes, Bárbara Destefani, outra youtuber investigada pelo TSE que teve a monetização suspensa. Procurado, o Planalto não comentou.
Estadão