Jornalista por profissão – três meses sem Celivaldo Carneiro

Três meses após a morte do amigo jornalista, o historiador Cristovam Sena relembra um pouco da história desse grande profissional da imprensa santarena.
Foto/reprodução: ICBS

Por: Cristovam Sena

Já se passaram três meses que o Celivaldo Carneiro nos deixou, tragado pela pandemia que vem entristecendo famílias ao redor do mundo.

Era jornalista, chegou a manter por 25 anos o jornal impresso a “Gazeta”, semanário que circulou de junho de 1988 a abril de 2013. Passando a ser digital a partir dessa data.

Com o fim do jornal impresso, nesse mesmo ano Celivaldo doou para o ICBS o arquivo de negativos e fotografias, que já vieram separadas por assunto e data.

Posteriormente, toda encadernada, veio a coleção completa dos 25 anos do jornal, valioso presente que hoje compõe a hemeroteca do Instituto.
Prometo, em breve, mostrar aqui neste espaço o conteúdo do nosso acervo de periódicos, visitado com frequência por pesquisadores e acadêmicos de História e outros cursos.

Em 1990, conversando com Celivaldo, idealizei iniciarmos um trabalho fotográfico sobre a cidade, começando pelo registro do centro urbano.
Minha ideia era repetir de cinco em cinco anos esse registro, com a finalidade de documentar a transformação que a cidade iria sofrer com o passar do tempo. Uma cobertura completa da cidade (ruas, prédios, monumentos) para conservar digitalizada, além disso, ir em busca de fotografias antigas para montar o museu fotográfico de Santarém.

Eu tinha visitado em São Paulo o arquivo de negativos de fotografias antigas da pauliceia, organizado pela Secretaria Municipal de Cultura, com mais de 300 mil negativos devidamente catalogados, que despertou a minha imaginação.
Respeitadas as devidas proporções, daria pra fazer algo igual por aqui.

Um sábado, iniciamos o trabalho e Celivaldo realizou 38 registros do centro de Santarém. Infelizmente a ideia não vingou e parou no primeiro sábado.

Passado um tempo, chegamos a conversar sobre o retorno das fotografias, mas o projeto foi esquecido. E ainda tem quem diga que esquecer é uma necessidade. Não nesse nosso caso dos retratos.
Faltou-nos o querer, essencial a qualquer atividade, a qualquer projeto de vida.

Dia 22 de junho de 2009, aniversário de Santarém, o jornal Gazeta circulou com um caderno especial sobre a Cabanagem.
Intitulado “Cuipiranga, aqui os cabanos ganharam e perderam”, foi coordenado pelo Manuel Dutra, que entrevistou o antropólogo Mark Harris e a historiadora Rosa Acevedo Marin, com fotografias de Celivaldo e ilustrações do Elias do Rosário e Luiz Pinto.

Fui convidado pelo Celivaldo para irmos até Cuipiranga, região do Arapiuns, levando a revista reportagem para ser distribuída aos moradores da comunidade, alguns deles entrevistados pelo Dutra para compor o encarte especial da Cabanagem.

Era um sábado, fomos no B/M Vereda Tropical. Além do Dutra e Celivaldo, faziam parte da comitiva Anselmo Colares e Jota Ninos. Bom papo na ida e na volta e, para nossa sorte, Celivaldo tinha se lembrado de levar um isopor com cerveja.

Quando lá chegamos, encontramos os comunitários reunidos com o Frei Florêncio, estavam em reunião no barracão. Feitas as devidas apresentações, Dutra distribuiu a revista e falou sobre a importância da Cabanagem na História do Pará.
Tempos depois o ICBS recebeu o quadro criado pelo Elias do Rosário que ilustrou a primeira página do caderno, presente do Celivaldo e do Dutra, que encontra-se em exposição no Instituto.

Celivaldo era frequentador assíduo dos encontros das sextas-feiras no Mascote. Fazia parte de um grupo de amigos que possuía mesa e garçonete especiais, que ficou conhecido como “Senadinho”:
Celso Matos, Pedro Novoa, Zé Ronaldo, Geraldo Sirotheau, Luiz Neves, Pedro Evaldir, Luiz Leal, Guarany, Ozires, o dono do bar Carlos Meschede, dentre outros “senadores”, alguns já falecidos.

Como frequentador bissexto do “Senadinho”, eu aparecia numa sexta-feira qualquer e não demorava muito na roda. Roda que não tinha hora para terminar, onde as notícias da cidade corriam soltas e os ruídos ganhavam asas.

Em 2010 Celivaldo concluiu o curso de comunicação social com habilitação em jornalismo, no Iespes, sendo colega de alguns já experientes jornalistas sem diploma: Miltinho, Rosa Rodrigues, J. Ninos, Débora Rodrigues, Danielle Oliveira, Albanira Coelho, Oti Santos, Everaldo Cordeiro, Minael Andrade, Alciane Ayres, Tatiane Lobato, Ednaldo Rodrigues…
Das suas mãos, recebemos o convite para participar da festa da colação de grau.

Fugindo da agenda de trabalho e estudo, em 1997 Celivaldo nos convidou para passar o carnaval na ilha venezuelana de Margarita, situada no mar do Caribe.
Carnaval diferente, longe dos tradicionais desfiles na Barão do Rio Branco. Aceitamos!

Faziam parte da comitiva organizada pelo Celivaldo: Paulo e Lúcia Melo; Carlos Eduardo Mendonça e Tica; Celivaldo e Bigail; Luis Paulo e Kátia; Wilson e Ciléa Ferreira; Aldo e Iracira; Ana Rute e Cristovam Sena.

Na época, um dólar valia 450 bolivares venezuelano. O real valorizado, com um real se comprava três latas de cerveja e ainda recebia troco.

Quase desprovida de vegetação, por onde eu andava não via pássaros na ilha. A única espécie que vi foram as corocas que habitavam o hotel onde ficamos hospedados. Com solo árido, tudo o que se comia na ilha vinha do continente, até a água, que chegava através de aquedutos.

E chegou a esperada terça-feira gorda em Margarita. Alguns jovens fantasiados desfilavam pelas ruas, todos cantando e dançando num ritmo que lembrava mais hino de igreja.
Para animar o desfile Bigail entrou na roda e começou a ensinar os gringos a dançar.
Todos paravam para ver a sambista brasileira.

A última vez que vi e conversei com o Celivaldo foi no dia 21 de janeiro de 2020.

Na condição de repórter, veio ao Instituto Cultural Boanerges Sena pesquisar nos seus jornais e, ao mesmo tempo, se despedir de mim.

Fotos:
01 – Celivaldo no ICBS
02 – Jornal nº 1 da Gazeta
03 – Celivaldo e Bigail
04 – Encarte da Gazeta sobre a Cabanagem
05 – Cristovam, Celivaldo e Dutra
06 – Comitiva de Margarita
07 – Bar Mascote, fotografia do Celivaldo

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Cristovam Sena: historiador santareno; extensionista rural (Emater) e comandante do Instituto Cultural Boanerges Sena (ICBS)