No caso de um possível imunizante contra o novo coronavírus, a Anvisa já assume que ele poderá ser aprovado se tiver eficácia de 50%; geralmente é exigida 70%
Estudos clínicos de eficácia de uma vacina não avaliam somente se um imunizante é ou não eficaz, mas o tamanho dessa eficácia. Se esse índice é baixo, não costuma valer a pena, em termos epidemiológicos e financeiros, adotar o produto como estratégia de prevenção no âmbito da saúde coletiva.
Na maioria dos casos, as agências regulatórias, como a Anvisa, exigem 70% de eficácia de uma vacina para que ela recebe a licença. No caso de uma possível vacina contra a covid, já se assume que ela poderá ser aprovada no Brasil e em outros países se tiver eficácia mínima de 50%. Mas como esse índice é calculado?
Segundo especialistas, o indicador será descoberto a partir de cálculos que irão considerar o número de infectados por covid-19 nos dois grupos participantes do estudo clínico: aquele que tomou a vacina e o que tomou o placebo. “Primeiro, verifica-se quantas infecções ocorreram em cada grupo e calcula-se a incidência correspondente no grupo total. Então, tem uma fórmula para calcular eficácia: é a incidência no grupo placebo menos a incidência no grupo vacinado dividido pela incidência no grupo placebo. O resultado é multiplicado por 100 para chegar ao índice percentual de eficácia”, explica Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas.
Claro que a explicação é uma simplificação dos cálculos feitos pelos pesquisadores, que utilizam programas estatísticos sofisticados para tais análises. Mas dando um exemplo em números: se os cientistas verificarem que no grupo placebo a incidência de covid foi 20% e, no grupo vacinado, foi de 10%, a conta seria 20 menos 10, e o resultado (10) seria dividido por 20, chegando ao índice de 0,5, que multiplicado por 100 chegaria a uma eficácia de 50%.
Claro que, na prática, muitos outros dados são considerados. Para que esse resultado tenha o chamado “poder estatístico”, é necessário haver um número mínimo de infectados para tornar a amostra confiável. Em outras palavras, se esses cálculos são feitos com um grupo muito pequeno de pessoas, há chance de os resultados encontrados serem fruto do acaso e não realmente do poder da vacina, por isso os cientistas dizem que as diferenças de incidência encontradas nos dois grupos precisam ser “estatisticamente significativas”.
No caso da coronavac, essa amostra mínima para uma primeira análise parcial é de 61 infectados, mas pode ser que a diferença encontrada entre o grupo vacinado e placebo ainda não seja robusta o suficiente para comprovar a eficácia em definitivo. E aí parte-se para a segunda análise, em que a amostra mínima será de 151 infecções.
É por causa dessa necessidade de dados estatisticamente robustos que nem sempre uma análise de dados parciais é suficiente para comprovar eficácia e dar o registro a um produto. “Há chance de o índice de eficácia medido na primeira análise diminuir numa análise final. Aqui nos Estados Unidos, por exemplo, foi determinado que os pesquisadores de vacinas terão que esperar dois meses após a aplicação da segunda dose para fazer qualquer pedido de registro, justamente para ter uma amostra mais robusta e mais tempo de seguimento”, explica.
As análises parciais, chamadas de interinas, são comuns em estudos clínicos, independentemente de pandemia. Mas em situações normais, elas costumam ser usadas apenas para confirmar a segurança do produto e chancelar a continuidade do estudo em novos voluntários. Somente em casos excepcionais, como o de doenças raras sem tratamento ou no contexto da pandemia de covid, essas análises podem gerar resultados com o objetivo de embasar um pedido de registro.
Outros desfechos
As análises de eficácia em um estudo de vacina podem medir não só o quanto o produto foi capaz de reduzir o número de infecções, mas também outros resultados associados à prevenção da doença. “O que exatamente vai ser medido depende do desenho do estudo. Os pesquisadores podem querer medir o número de infecções, mas podem também verificar se houve redução de mortalidade, se houve redução de casos graves. Pode ser que uma vacina não seja tão eficaz para impedir a contaminação, mas ela seja capaz de reduzir as complicações causadas pelo vírus. Geralmente, um protocolo de pesquisa monitora vários desses desfechos”, explica Gustavo Mendes, gerente geral de medicamentos da Anvisa.
De acordo com informações do site Clinicaltrials.gov, portal do governo americano que reúne informações de ensaios clínicos, os dois desfechos primários que serão medidos no estudo da coronavac são a incidência de covid nos voluntários duas semanas após a aplicação das duas doses e a ocorrência de eventos adversos. Mas a pesquisa prevê ainda monitorar outros sete desfechos secundários, entre eles a incidência de casos graves de covid, a incidência da doença com apenas uma dose do imunizante, a taxa de soroconversão (quando os anticorpos contra a doença passam a ser detectáveis por exames), entre outros.
A coronavac é hoje a vacina com pesquisas em estágio mais avançado no Brasil, com 9 mil dos 13 mil voluntários já imunizados. O imunizante desenvolvido por Oxford em parceria com a Astrazeneca está em etapa similar, com 6 mil dos 10 mil voluntários previstos já imunizados com ao menos uma dose, segundo informações da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que coordena o braço nacional da pesquisa. Estão em teste no Brasil ainda as vacinas da Pfizer e da Janssen. Esta última interrompeu os testes globais temporariamente para investigação de efeito colateral em um voluntário estrangeiro.
Fonte: Estadão