Os estudos, que começaram a ser publicados em 2012 por pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos, são revolucionários e marcam uma fase nunca vista na história da neurociência.
Uma pesquisa que estuda o transplante de células-tronco neurais (geralmente responsáveis por produzir três tipos de células diferentes: neurônios, astrócitos e oligodendrócitos), e que poderá fazer paraplégicos e tetraplégicos voltar a andar, conta com a participação de professor da Ufopa, o neurocientista Dr. Walace Gomes Leal, vinculado ao Instituto de Saúde Coletiva (Isco).
Um projeto para o novo edital de terapia celular já foi enviado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e concorre a recursos para estudos de transplantes de células-tronco neurais e do relé neuronal, em modelos de doenças neurológicas. Caso aprovado, os estudos serão desenvolvidos na Ufopa em colaboração com a Universidade da Califórnia em San Diego (USCD). A iniciativa é do pesquisador paraense Walace Gomes Leal e do pesquisador chinês Paul Lu, da USCD.
O estudo na Ufopa irá utilizar o enxerto de progenitores neurais derivados de células-tronco pluripotentes induzidas (na sigla inglesa, IPSCs), uma técnica criada em 2006 pelo pesquisador japonês Shinya Yamanaka, na Universidade de Kyoto, no Japão. Ele ganhou o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 2012, juntamente com o pesquisador inglês John Gurdo. Segundo o professor Walace Gomes, existem empresas que vendem essas células para o uso em pesquisa científica.
Esse tipo de células foi escolhido para a pesquisa no sentido de evitar problemas éticos do uso de células-tronco embrionárias. De acordo com Gomes, para aplicações futuras em humanos as IPSCs podem ser derivadas de células somáticas (adultas) oriundas dos próprios pacientes que receberão os transplantes, mas ainda estão em fase de estudos em animais.
Na Ufopa, a ideia do estudo é usar a técnica do relé neuronal desenvolvida por Paul Lu, na UCSD, em uma outra doença neurológica de grande importância clínica, já que os estudos na medula espinhal estão bem avançados na Universidade da Califórnia. Além disso, será testado o modelo do relé neuronal com o arcabouço de fibrina e fatores tróficos desenvolvido por Paul Lu em animais de maior porte da Amazônia, como a cutia, por exemplo. Pretende-se que esses estudos sejam feitos por meio de dissertações e teses de neurologistas e cirurgiões de Santarém.
Dr. Walace Gomes assegura que, com o recurso obtido, serão feitas adequações da estrutura em laboratório na Ufopa, para permitir a execução das atividades: “Por exemplo, precisamos de uma sala de cultura de células, ainda não disponível na Ufopa. Independente do recurso do CNPq, já possuímos uma promessa de um aporte de recursos de uma fundação externa à instituição para o nosso projeto. Os estudos serão feitos, inicialmente, em animais de experimentação. No entanto, quando o grupo da Universidade da Califórnia começar os estudos multicêntricos (vários hospitais) em humanos com trauma da medula espinhal, pretendemos fazer negociações para incluir pacientes do Hospital Regional ou do Hospital Municipal de Santarém nestes ensaios clínicos”.
Foco – Os estudos, desde que tiveram início pelo pesquisador Paul Lu, em 1998, têm o objetivo de desenvolver uma terapia para o trauma experimental da medula espinhal em humanos, ou seja, representam o tratamento com possibilidade de cura de trauma raquimedular, lesão da medula espinhal que provoca alterações temporárias ou permanentes na função motora, sensibilidade ou função autonômica, o que acaba gerando a paralisia parcial ou total de membros inferiores e/ou superiores do corpo.O pesquisador chinês Paul Lu, que deu início aos estudos após sofrer acidente e ficar paraplégico
As fases de teste iniciaram-se com ratos e camundongos, e agora os testes estão sendo feitos em macacos. A expectativa para que sejam feitos em humanos é para daqui a 4 ou 5 anos. A busca incessante pelos resultados acende uma esperança a paraplégicos e tetraplégicos, que podem manter a expectativa de voltar a andar em um curto espaço de tempo.
De acordo com o professor Walace Gomes Leal, as potencialidades são incríveis e nunca antes na história da neurociência um grupo tinha relatado tamanha regeneração de axônios da medula espinhal. “A perspectiva é que em 4 a 5 anos, ou até antes, possa se dar início aos ensaios clínicos em humanos. É isso que esperamos. Se der certo, será uma verdadeira revolução na medicina regenerativa. Acabei de enviar um projeto para o novo edital de terapia celular do CNPq, em colaboração com o pesquisador chinês Paul Lu, concorrendo a recursos para estudarmos o transplante de células-tronco neurais. O projeto será desenvolvido na Ufopa. Nosso sonho é colocar a Universidade no mapa da pesquisa translacional, ou seja, aquela cujos resultados saem do laboratório de pesquisa e se transformam em terapias para humanos”.
Para o professor Walace Gomes, também será de extrema importância o fato de a pesquisa ser realizada no Oeste do Pará, o que grandes laboratórios, em grandes centros de pesquisa no Brasil, nem sonham em fazer.
Depois de 27 anos na UFPA, cerca de 18 anos como professor efetivo, Dr. Walace Gomes Leal fala com orgulho de pertencer aos quadros de docentes da Ufopa. Diz estar feliz por ter tido apoio institucional para vir da UFPA para Ufopa, um sonho antigo, já que nasceu em Santarém.
Segundo ele, deixou a cidade em 1991 para estudar biomedicina na UFPA, onde se tornou biomédico e neurocientista. Embora as conquistas lá fora tenham sido significativas, sempre quis ser um docente-pesquisador na Ufopa. “Nessa minha nova jornada, agradeço à gestão da Universidade, que me deu apoio total, bem como à direção do Isco. Agradeço pela visão destes gestores que apoiam o ensino, a pesquisa e a extensão e estão me dando todo o apoio necessário, inclusive propiciando um novo espaço para desenvolver atividades como docente-pesquisador”.
O começo – De acordo com o professor Walace Gomes Leal, sua inclusão no processo da pesquisa sobre células-tronco neurais começou em 2015, quando fez um estágio de pós-doutorado, com bolsa do CNPq, na Universidade da Califórnia em San Diego (USCD), sob supervisão dos doutores Mark Tuszynski (diretor do Center for Neural Repair do Departamento de Neurociências da UCSD) e Paul Lu, professor associado da UCSD.O santareno Walace Gomes, que deverá dar continuidade aos estudos na Ufopa
Os pesquisadores Mark Tuszynski e Paul Lu realizam uma pesquisa fantástica que tem como foco o transplante de células-tronco neurais/progenitores neurais, com o objetivo de desenvolver uma terapia para o trauma experimental da medula espinhal em humanos. Paul Lu, um pesquisador chinês que ficou paraplégico após um acidente automobilístico em 1996, criou uma abordagem inovadora que consiste no enxerto de progenitores neurais imersos em uma matriz de fibrina com um coquetel de fatores tróficos, que são substâncias, como o fator de crescimento neural, que contribuem para o crescimento e sobrevivência dos neurônios. Por mais de 100 anos, os pesquisadores tentaram regenerar axônios (finos cabos biológicos que transmitem o impulso nervoso) da medula espinhal e do cérebro após a lesão, mas com pouco sucesso. Conseguiam uma regeneração de 4 a 5 mm ou um pouco mais.
Paul teve a ideia de transplantar as células-tronco neurais dentro de um arcabouço de fibrina com um coquetel de fatores tróficos. Essas moléculas contribuíram para a sobrevivência dos progenitores neurais transplantados e o enxerto sobreviveu. Como os progenitores estão imersos na fibrina, eles não se espalham e permanecem no sítio da lesão.
Teste em rato – Com essa abordagem, os pesquisadores da UCSD fizeram um rato paraplégico voltar a andar, com poucas sequelas, em 2012. Mostraram isso em publicações feitas nos periódicos Cell e Neuron, em 2012 e 2014, respectivamente. Os artigos de Paul e Mark Tuszynski foram publicações muito inovadoras ou seminais, como são conhecidas no jargão científico. Antes deles, os pesquisadores só conseguiram induzir regeneração de axônios por poucos milímetros.
Tuszynski e Lu induziram regeneração de axônios por toda a medula espinhal do rato por mais de 20 mm. Aproximadamente 29.000 axônios novos saíram do enxerto e fizeram sinapses, que são as unidades computacionais do cérebro, um tênue ponto de contato entre um neurônio e outro. Isso correspondeu a mais de 200 vezes o número de axônios regenerando relatado por outros grupos antes dos experimentos dos dois pesquisadores.
Em 2019, o professor Walace Gomes publicou um artigo no periódico científico Stem Cell Reports, do qual dividiu a primeira autoria com Paul Lu. “Nós investigamos como os novos neurônios dentro do enxerto se conectam um ao outro. Também mostramos a posição desses neurônios dentro do enxerto e que eles recebem sinapses de neurônios motores antigos do próprio rato transplantado, por exemplo, axônios do trato cortiçoespinhal lateral, que, em humanos, é a principal via motora. Essa via motora nos possibilita realizar movimentos voluntários precisos, como tocar piano, digitar no teclado de um computador ou fazer qualquer manipulação de objeto usando as mãos. Mostramos que o enxerto de fibrina forma um novo circuito neural unindo os dois lados da medula espinhal do rato que sofreu lesão”.
De acordo com o pesquisador da Ufopa, a abordagem foi batizada de “terapia por relé neuronal”, em alusão ao termo relé da tecnologia, um aparelho que passa informações elétricas de um local para outro em aparelhos eletrônicos. O achado foi confirmado por estudos recentes feitos em 2020 pelo grupo do Dr. Mark Tuszynski.
Antes disso, em 2018, esse mesmo grupo da UCSD publicou um artigo no periódico Nature Medicine descrevendo um resultado fenomenal: eles fizeram macacos Rhesus tetraplégicos de um lado do corpo movimentar as mãos e apertar uma laranja. Descreveram que mais de 300.000 axônios saíram do enxerto feito no sétimo segmento cervical da medula do macaco, o qual foi cortado até a sua metade (hemissecção) para causar o déficit funcional experimental. Isso foi um marco nos estudos sobre a lesão da medula espinhal em primatas e um primeiro passo para ensaios clínicos em humanos.
Diversidade de estudos – O pesquisador Walace Gomes explica que os avanços para a descoberta da cura de paraplégicos e tetraplégicos continuam em ritmo acelerado. Segundo ele, existem outros grupos no mundo que usam outras abordagens para regenerar a medula espinhal.
Alguns usam outros tipos de células-tronco, como por exemplo, células-tronco da medula óssea. Ele diz ter trabalhado com elas, quando aprovou, em 2006, recurso no edital terapia celular do CNPq. “Meu grupo publicou artigos bem relevantes com as células mononucleares da medula óssea, mas no modelo experimental de AVC, uma outra doença aguda do cérebro que é um verdadeiro problema de saúde pública no Brasil”.
Walace Gomes ressalta que o grupo foi o primeiro da região Norte a aprovar um recurso de uma concorrência nacional para estudar células-tronco. “Isso fez meu laboratório na UFPA ser convidado a fazer parte da Rede Nacional de Terapia Celular e Rede Brasil AVC. Agora vamos desenvolver essas e outras linhas de pesquisa na Ufopa em colaboração com Paul Lu, Mark Tuszynski, grupos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na UFPA”.
Alguns grupos, como os do neurocientista Miguel Nicollelis, usam abordagens da neuroengenharia, por meio da qual uma veste robótica, com a ajuda de eletrodos e transmissores sem fio, é usada na tentativa de induzir recuperação de movimentos em pessoas paraplégicas. “Eu respeito essas pesquisas, as quais chamo de robocópicas, mas aposto mais em abordagens orgânicas e regenerativas como as de Paul Lu e Mark Tuszynski, da UCSD”. Walace Gomes assegura que Paul e Mark serão sérios candidatos ao prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina caso os resultados experimentais sejam confirmados em humanos.
Estudos em macaco e próximos passos – Conforme explicou o professor Walace Gomes Leal, pesquisadores da UCSD estão fazendo mais estudos em macacos. Já analisaram o que acontece com os primatas até nove meses após a lesão. Acontece que esse período de tempo, de acordo com o pesquisador, ainda parece insuficiente para a maturação morfológica das novas células transplantadas.
Segundo ele, mesmo nove meses após a lesão, os axônios do macaco não apresentavam a bainha de mielina, um envoltório biológico que envolve alguns tipos de axônios e serve para protegê-los, libera fatores tróficos para mantê-los em bom estado, mas também para aumentar a velocidade de condução do impulso nervoso. Axônios mielinizados conduzem mais rápido o impulso nervoso.
Os pesquisadores têm de avaliar macacos durante períodos mais longos, como um ou dois anos após o transplante, para ver se a maturação morfológica melhora, e também a recuperação funcional observada. Com a mielinização dos axônios, ainda mais recuperação funcional poderá ser observada nos primatas.
Nova linha de pesquisa e a copaíba como anti-inflamatório para o AVC – Dr. Walace Gomes Leal lembra outra linha de pesquisa interessante e que desenvolve há mais de oito anos, que é a busca de uma substância que proteja o cérebro de pessoas que sofrem com acidente vascular cerebral (AVC), evitando a expansão da lesão – um fenômeno conhecido como lesão secundária. Segundo ele, essa substância é denominada neuroprotetor.
De acordo com o pesquisador, o grupo por ele liderado já produziu dados experimentais importantes mostrando que algumas plantas da Amazônia, até muito conhecidas do público, possuem efeitos anti-inflamatórios e neuroprotetores, que foram testados em ratos que sofreram AVC ou trauma da medula espinhal.
Ele acredita que a cura para várias doenças pode estar escondida no meio da floresta amazônica esperando para ser descoberta. “Esse é um dos sonhos da minha vida que persigo há quase dez anos. Por exemplo, em 2012, na dissertação do biólogo Adriano Guimarães, mostramos que o óleo de copaíba é neuroprotetor e reduz a neuroinflamação. Continuamos essas pesquisas investigando os efeitos de componentes do óleo de copaíba, e os resultados são muito promissores. Não posso dar mais detalhes, pois ainda estamos escrevendo patentes destes achados. Mas o que posso dizer é que alguns derivados da flora amazônica possuem um grande potencial como agentes neuroprotetores. Quem sabe não teremos, no futuro, um fitoterápico com ação neuroprotetora. Seria fantástico!”.
Albanira Coelho – Comunicação/Ufopa