Solidão e incerteza trazidas pela crise sanitária podem causar ansiedade e depressão; idosos são grupo de risco para o problema
Nunca o brasileiro buscou tanto por termos relacionados a transtornos mentais quanto durante a pandemia do novo coronavírus. Dados inéditos fornecidos pelo Google ao Estadão apontam alta de 98% nas buscas sobre o tema em 2020, ante a média verificada nos dez anos anteriores. A pergunta “como lidar com a ansiedade”, por exemplo, bateu recorde de interesse da última década. Em relação a 2019, o crescimento foi de 33%.
Entre as três perguntas mais buscadas em 2020 com a expressão “como lidar”, duas estão relacionadas a ansiedade e depressão. Bateu recorde também o interesse dos brasileiros pelo questionamento do que é a felicidade. Em junho, a pergunta teve o maior volume de buscas dos últimos oito anos.
Para especialistas, o comportamento na internet reafirma o que estudos no Brasil e no exterior já observaram: medo, solidão e incertezas trazidas pela pandemia e o isolamento levam a um aumento da inicidência de transtornos mentais.
“O medo de contrair a doença ou de transmiti-la para familiares do grupo de risco gera ansiedade. A diminuição do contato presencial e dos vínculos, impactos econômicos, sobretudo para os que já tinham menos recursos, e a exposição excessiva a notícias sobre coronavírus aumentam o sofrimento mental”, diz Ives Cavalcante Passos, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Desde abril, ele coordena pesquisa sobre os impactos da pandemia na saúde mental da população brasileira. Mais de 8 mil pessoas estão sendo acompanhadas por questionários on-line. “Queremos testar algumas hipóteses, entre elas observar se esse período está associado ao aumento de ideação suicida e de uso de álcool e drogas, se o maior consumo de notícias sobre coronavírus aumentam o nível de ansiedade, entre outras questões”, diz Passos, também psiquiatra do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
Levantamento do Estadão com base em boletins da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), órgão responsável por autorizar estudos com humanos no País, mostra que já foram aprovadas 97 pesquisas para investigar efeitos psíquicos da pandemia. Algumas buscam medir o possível aumento de doenças como depressão e ansiedade; outras querem medir o impacto psicológico em grupos específicos, como profissionais de saúde, crianças e adolescentes, idosos e gestantes. Alguns também investigam quais fatores podem reduzir o risco de um transtorno mental neste período.
Algumas pesquisas já têm respostas preliminares. Estudo da Universidade Estadual do Rio (UERJ) verificou que profissionais com mais dificuldade financeira e os que não podem trabalhar de casa têm mais prevalência. “Donos de comércio, administradores, empresários têm prevalência de depressão 50% maior do que a média da amostra. Profissionais que precisam sair para trabalhar e estão mais expostos ao risco de contaminação também têm pior saúde mental”, diz Alberto Filgueiras, professor de Psicologia da UERJ, que coordena o estudo.
Idosos também têm maior risco. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) inicia neste mês pesquisa com 136 pessoas maiores de 60 anos para verificar o papel da rede de apoio na redução do risco de depressão e ansiedade. Paralelamente, alunos e docentes fazem, desde maio, um projeto de escuta, por ligações semanais, com idosos que já integravam um projeto da instituição.
“O idoso já tem probabilidade maior de depressão pelos processos associados ao envelhecimento”, diz Daniella Pires Nunes, professora da Faculdade de Enfermagem da Unicamp e uma das coordenadoras do projeto. “A devolutiva dos idosos tem sido interessante. Comentaram que sentem-se ouvidos, acolhidos, animados. Gera sentimento de valor ter alguém para ouvi-los sobre anseios e medos e até dividir coisas do cotidiano, como hobbies, receitas.”
Ajuda
Para Ives Passos, é importante estar atento a sinais e sintomas persistentes. “Medo e tristeza são emoções básicas e fazem parte da vida de todos. Quando ocupam a maior parte do dia e são acompanhados de outros sinais, como alterações no apetite, sono e falta de energia, é necessário consultar um profissional.” Ele diz que, apesar do tabu, o número de pessoas que buscam ajuda para si um parente ou amigo tem crescido. A alta de buscas no Google indica percepção do problema. “É importante, porém, que qualquer intervenção seja feita com auxílio de um profissional.”
Segundo Marco Túlio Pires, coordenador do Google News Lab no Brasil, muitos usuários veem na plataforma oportunidade de se informar sobre questões pessoais e íntimas sem julgamentos. “Alguns ficam constrangidos em falar sobre certos assuntos até mesmo com pessoas próximas e usam o Google para buscar mais informações. Se isso já acontecia antes, com o isolamento ficou mais intenso.” O Google, afirma ele, tem aprimorado algoritmos e feito parcerias com especialistas para dar informações de qualidade e confiáveis sobre saúde. “A ideia é priorizar fontes oficiais, autoridades no tema.”
Desde 2016, a plataforma tem parceria com o Hospital Albert Einstein na produção de conteúdo. Ao buscar o nome de uma doença, um painel surge do lado direito da tela com informações de sintomas e tratamento.
No campo específico da saúde mental, a empresa apoiou o Instituto Vita Alere na criação do site Mapa Saúde Mental, que traz informações sobre quando procurar ajuda, serviços emergenciais e indicações de profissionais e instituições que prestam atendimento on-line e presencial.
Fonte: Estadão