Pará lidera casos de Covid em quilombos. Federação Quilombola de Santarém destaca que alimentos e informações têm sido levados por iniciativas solidárias.
Por José Odeveza
Perto das 100 mil mortes no país, as insuficientes medidas de contenção do aumento exponencial dos casos da Covid-19 têm se mostram pouco eficazes. O pico da doença estimado inicialmente para o mês de abril se arrasta ao longo de 2020 e registra até o momento mais de mil mortes diárias e cerca de 2,6 milhões de infectados confirmados no Brasil. Entre os povos e comunidades tradicionais, o número de casos e mortes incide com maior intensidade os povos quilombolas, principalmente comunidades remanescentes do estado do Pará. Além de resistirem à falta de políticas públicas emergenciais específicas para os povos quilombolas, os problemas tecnológicos, como baixo sinal de telefone e internet, também dificultam articulação interna para contenção da doença nos quilombos.
A secretária da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS) – que representa 12 quilombos da região -, Miriane Costa Coelho, da Comunidade Nova Vista do Ituqui, denuncia a falta de ação do estado na circulação de informações e ações práticas de combate à doença nas comunidades. Ela relata a dificuldade quem tem sido levar informações mínimas para as diferentes realidades dos quilombos de Santarém.
“Infelizmente nós não tivemos tanto apoio em relação aos cuidados contra esse vírus, aqui poucos são os quilombos que possuem sinal de TV aberta. Nos comunicamos pelo rádio e em outros casos foram as lideranças dos quilombos que realizaram esse trabalho de levar as informações. Nós temos dificuldade de contato principalmente em quilombos muito distantes como de Surubiu-Açu e Patos do Ituqui, mas mesmo os mais próximos não temos conseguido contato imediato”, relata Miriane.
Miriane destaca que existe uma grande dificuldade em executar ações contra o avanço da doença com o isolamento social. Além disso a Federação, seguindo seu estatuto, teve que fazer uma eleição para uma nova diretoria em meio ao desafio da pandemia. “Venho dizendo nos espaços que esse modelo de se organizar [à distância] não nos contempla. Nos quilombos não tem acesso à internet e muitas vezes nem à telefonia. A FOQS montou uma comissão executiva que opera principalmente com quilombolas que estão fora do risco, para preservando as nossas lideranças mais velhas”.
Segundo Miriane o trabalho que tem sido realizado pelos coletivos das comunidades tem levado alimentos, kits de higiene e informação para as comunidades para minimizar os impactos da pandemia. “A FOQS , conjuntamente com parceiros, está desenvolvendo o Projeto OMULU – Terra de Quilombo, que antes era um projeto de aquisição de kits de higiene básica e de informação, e que hoje ele ganhou uma outra dimensão. Nele fazemos um mapeamento da situação dos casos da Covid-19 nos quilombos – isso tudo uma parceria com as lideranças dos quilombos -, e assim nós podemos também monitorar a situação dos casos da Covid-19”.
Violações de direitos e avanço de empreendimentos
Segundo relato de Miriane, a nova diretoria da FOQS já pensa nas dificuldades que se intensificam agora no segundo semestre do ano com a continuidade do isolamento social. Atualmente as crianças e jovens não têm acesso à educação, já que as escolas estão fechadas e as aulas virtuais são irreais para o contexto dos quilombolas.
“Nós estamos no momento de planejamento das atividades, mas te confesso que está sendo muito difícil. Estamos trabalhando em contato principalmente com 6 pessoas, seguindo as orientações da Secretaria de educação do município. As aulas estão suspensas, mas a ameaça da volta sobre ensino à distância traz um risco alto, não é a nossa realidade uma aula à distância, tanto para alunos de rede de ensino fundamental e médio quanto para os alunos quilombolas que estão na universidade Pública a Universidade Federal do Oeste do Pará-Ufopa”, reforça Miriane. “E ainda tem esses inimigos que nos acercam de todos os lados, nós sabemos que eles estão se articulando, mas nós hoje estamos mais de olhos abertos”, completa.
As comunidades do estado do Pará redobram a atenção contra empreendimentos que, diante da baixa fiscalização do estado, se aproveitam da conjuntura para avançar no desenvolvimento de projetos que degradam a natureza e os territórios.
As comunidades temem os impactos da construção de dois grandes portos na área do lago do Maicá. Um deles é idealizado pela empresa Atem’s Distribuidora de Petróleo. Com obras já iniciadas que tiveram continuidade em meio à pandemia, a construção do porto de combustíveis foi paralisada pela Justiça Federal em maio deste ano, por irregularidades – entre elas a falta de Consulta Prévia, Livre e Informada entre as comunidades quilombolas, pescadoras e indígenas da região.
E o segundo está sendo feito pela Empresa Brasileira de Portos Santarém (Embraps) com o objetivo de escoar a produção na região do Planalto Santareno, sua obra está suspensa pela Justiça Federal desde 2016 por denúncia Ministério Público Federal (MPF) também por ausência de consulta adequada às comunidades tradicionais atingidas pelas obras.
Estado omisso e desafios ao isolamento social
Atualmente os povos e comunidade tradicionais reivindicam do Congresso Nacional a derrubada dos vetos feitos pelos presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no projeto de Lei 1142/2020 que prevê medidas de apoio e proteção em resposta a demandas dos povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais no contexto de pandemia no Brasil. Após atrasar a sanção do PL, Bolsonaro vetou pontos da lei, o que tornam praticamente inócuas todas as medidas inicialmente previstas na medida legislativa .
Dentre as medidas inicialmente previstas e não presentes na lei sancionada, temos o acesso universal à água potável, bem como a bens e insumos básicos de higiene, além de apoio para o escoamento e ampliação da produção dessas comunidades, para garantia de soberania alimentar. Confira a análise da Terra de direitos sobre o “pacto” entre ministérios e Presidência para invalidar demandas dessas populações.
Com isso, o cenário com poucas ações do estado piora a cada dia. Segundo o boletim epidemiológico divulgado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras e Rurais Quilombolas (Conaq) nesta última quarta (29), foram confirmados 3.798 casos de Covid-19 nas comunidades remanescentes de quilombos. E o Pará responde pela maioria dos casos de Covid-19, com 40,5% dos casos notificados.
A FOQS representa 12 comunidades quilombolas da Região de Santarém: Pérola de Maicá; Arapemã; Saracura; Nova Vista; São Raimundo; São José; Patos do Ituqui; Bom Jardim; Murumurutuba; Murumuru; Tiningu; Surubiu-Açú.
Além de Miriane, a nova diretoria da FOQS para o período de 2020 a 2022 será composta por Maria Alba Vasconcelos, na 2ª secretaria; Raimundo da Silva Mota e André Lopes Cardoso, como 1ª e 2º tesoureiro, respectivamente. Mário Augusto Pantoja de Sousa, como presidente. A composição completa pode ser vista no site da FOQS.
Fonte: Terra de Direitos