No programa Conversa com Bial, o médico relatou a situação da saúde em Santarém e região; transcrevemos a participação do médico, na íntegra. Acompanhe!
O médico infectologista João Assy, um dos nomes da linha de frente no combate à Covid-19, participou na noite desta quinta feira (18) do programa Conversa com Bial, da rede Globo de televisão. A conversa em canal aberto, contou ainda com a participação de Clóvis Arns, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia e Mauro Schechter, que é infectologista. Basicamente o programa tratou sobre o enfrentamento da pandemia causada pela Covid-19.
“Acho muito importante abrir essa voz pra gente aqui pro Norte, talvez que hoje seja a região do país que tenha o maior número em proporção com a população. A gente tá enfrentando esse desafio da interiorização, da entrada do Covid nas tribos indígenas, nos povos ribeirinhos, então, são contextos que muitas vezes o resto do país não fica sabendo o que tá acontecendo”, disse Assy no início da fala.
O médico explicou que Santarém funciona quase como uma capital do interior, com 300 mil habitantes, mas é a referencia de saúde pra uma área de mais de um milhão de habitantes. Segundo ele, aa região conta com oito infectologistas.
“No sistema de saúde básico que é a porta de entrada, que são as UPAS, os prontos-socorros e Hospital de Campanha, nós temos uma equipe com quatro infectologistas e o Hospital Regional que é o hospital de referencia para pacientes que necessitam de terapia intensiva, tem mais duas infectologistas. Então, a equipe hoje aqui na região de Santarém, que seria de infectologistas e há outras duas infectologistas na cidade de Oriximiná, somando oito no total.
Na sua equipe de médicos quantos já foram infectados, perguntou Bial.
“Todos, todos já em algum momento pegaram a Covid, eu inclusive, tive um quadro bem mais leve que do professor Mauro, apenas em casa em isolamento durante 14 dias, mas tendo que trabalhar praticamente à distancia, montando protocolos, montando os fluxos, fazendo capacitação à distancia usando os aplicativos de videoconferência porque, basicamente não só eu como as equipes medicas e outros profissionais de saúde, tá todo mundo trabalhando no limite da escala, então, adiantou-se a formatura de alguns médicos. A gente numa região onde o número de leitos, número de profissionais, até o oxigênio muitas vezes falta, porque depende dessa aporte externo e quando as capitais começam a utilizar mais, falta pros interiores. Então, muitas vezes você tem municípios aqui do interior do Pará que tem o aparato mais não tem o oxigênio, então tem que encaminhar aqui pra gente, que é o polo regional, esses pacientes que tão necessitando do oxigênio terapia”.
Dr. Joao, essa animosidade que está ocorrendo contra profissionais de saúde, médicos. Isso já se verifica em Santarém, qual o principal ponto de conflito, hoje, questionou Bial.
“É, infelizmente, a gente acredita que essa é uma minoria dos pacientes, acho que a grande maioria tem apoiado os profissionais de saúde, mas é uma minoria barulhenta, que causa muitos transtornos ao nosso trabalho no dia a dia”.
O médico comentou sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina.
“Já aconteceu por mais de uma vez aqui em Santarém, como em outros municípios do país, houve a oferta da Cloroquina, da Hidroxicloroquina, da Ivermetctina, de medicamentos que não tem comprovação cientifica de que funcionam mediante a receita médica, sso, ainda que não diretamente, acaba incentivando, as pessoas que tão, seja com covid, seja com outras doenças, infecções que poderiam disseminar o covid como outras infecções de vias aéreas, a procurarem as unidades básicas de saúde, as unidades de pronto atendimento atrás da prescrição, muitas nem tão doentes, tão preocupadas ou tão com alguém em casa, tão preocupadas se um dia ficarem doentes e acabam pressionando muitas vezes os médicos”.
Assy informou que médicos recém formados estavam sofrendo pressão por conta da não prescrição.
“Como eu falei, aqui na região Norte é uma região onde a grande maioria dos médicos da linha de frente são médicos muito jovens, recém formados ou que adiantaram a formatura pra poder entrarem na linha de frente, e , esses médicos estavam sofrendo pressão, dizendo que iam ser processados, como se houvesse uma obrigação legal de um médico prescrever um remédio que ele não acredita ou que ele não vê evidencias cientificas suficientes pra fazer a prescrição”.
O médico infectologista também comentou sobre a Carta Aberta, emitida pela categoria.
“A carta foi motivada pelo protocolo do Ministério da Saúde, que não foi assinada por nenhum médico, só foi assinada pelo general, que é o ministro interino da saúde, já que dois ministros tinham se recusado a assinar e tinham caído por conta disso, incentivando o uso da hidroxicloroquina dita de forma precoce, no início dos sintomas ou quando o paciente muitas vezes mal tinha alguns sintomas, quer dizer, era mais uma preocupação por conta de toda pandemia. Tava ali a carta dizendo: olha, esses medicamentos não tem comprovação, se o médico quiser prescrever ele pode prescrever, o paciente tem que assinar o termo, mas a gente enquanto médico especialista não recomenda, usando de base o próprio documento que a Sociedade Brasileira de Infectologia junto com a Sociedade de Pneumologia de medicina Intensiva já haviam emitido nesse sentido. E isso aqui na cidade acabou não caindo bem, até de uma forma colateral que a gente não esperava, outros médicos, de outras especialidades se sentiram de alguma forma como se a gente tivesse interferindo no trabalho deles e reagiram de forma muito ruim à essa carta que a gente emitiu”.
Biel quis saber: E aí responderam com outra carta, assinada inclusive pelo prefeito, que também é médico, é isso?
“Exatamente, aí foi emitida uma nova carta por dezenas de médicos, inclusive com o prefeito, todos eles não especialistas da área, e esses médicos acharam que por conta desses estudos em vidro, que são estudos que, do ponto de vista de evidencia científica, são muito ruins, são muito básicos, eles apenas permitem que sejam feitos estudos controlados com seres humanos, eles acharam que isso já era o suficiente e que na verdade tinha uma motivação política por trás da nossa carta, como se, enfim, a gente tivesse ali, trabalhando no dia a dia, praticamente de domingo a domingo trabalhando, vendo pessoas morrendo por falta de ar e não quisesse prescrever um medicamento que funcionasse apenas porque eu quero derrubar o presidente , vamos dizer assim, enfim, isso carece de qualquer lógica racional, ne?, desabafa o profissional.
Pra encerrar, Bial perguntou ao médico qual seu maior receio, hoje.
“Meu maior medo é que a gente siga nessa loucura de esquecer que a ciência é que deveria guiar, então, quando a gente diz de agressão, se me perguntar qual a maior agressão que eu acho que a gente sofre, é o fato de nós sermos um país que foi o ultimo a entrar na epidemia, tivemos tempo de avaliar as diversas experiências que foram feitas no mundo, enfim, que a gente tem um sistema único de saúde com mais de 100 milhões de habitantes, que é uma coisa que não existe em país nenhum do mundo, a gente tava extremamente preparado pra enfrentar essa epidemia, poderia tá numa situação hoje muito melhor do que realmente estamos, contando as centenas de milhares e milhões de pacientes infectados, e já contando as dezenas de milhares de pacientes que infelizmente faleceram por conta de se abandonar a ciência por questões políticas ou por negacionismo dúbios, então, o meu maior receio é esse, até quando que a gente vai insistir nesse caminho e quantas pessoas ainda vão morrer pra que a gente volte ao rumo correto.
Entrevista ao programa Conversa com Bial, exibido nesta quinta feira (18).