Estádio passou por várias transformações ao longo do tempo e hoje abriga hospital de campanha no combate à covid-19
Maior palco do futebol brasileiro, o estádio do Maracanã completa 70 anos nesta terça-feira. Comparado ao Coliseu de Roma pelo ex-presidente da Fifa Jules Rimet e chamado de Templo do Futebol por muitos torcedores, o Estádio Mário Filho passou por inúmeras transformações ao longo de sete décadas de história e, sem receber jogos, hoje abriga um hospital de campanha para atender pacientes infectados pelo novo coronavírus.
Quando foi inaugurado, no dia 16 de junho de 1950, o estádio era o maior do mundo e tinha capacidade para receber 200 mil pessoas, quase 10% da população do Rio, segundo censo da época. A última grande reforma no Maracanã foi concluída em 2013, custou aos cofres públicos mais de R$ 1 bilhão e reduziu a sua capacidade máxima para 78 mil torcedores. O recorde de público é de 199 mil espectadores, registrado na final da Copa do Mundo de 1950. Hoje, o estádio não aparece nem entre os 20 do mundo em capacidades de público.
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Desde 2000, obras mudaram a estrutura da arena
O Maracanã foi construído justamente por causa do Mundial de 1950. O Brasil foi escolhido em 1946 para ser sede da Copa de 1949, mas, em 1947, a Fifa adiou o torneio em um ano para que as seleções da Europa pudessem se reestruturar após a Segunda Guerra Mundial.
Apesar dos 12 meses a mais para entregar os estádios, o Brasil teve problemas na preparação do evento. A Presidência da República chegou a montar a “Comissão de Estádios”, mesmo assim nenhum ficou pronto com antecedência. Nem mesmo o gigante Maracanã.
Cinco construtoras e 3.500 operários levantaram o estádio em 22 meses – as obras começaram em 1948. A rapidez com que o estádio foi construído chegou a criar entre os moradores do Rio o temor de que a estrutura não era forte o suficiente para abrigar grandes públicos. Na tentativa de tranquilizar os torcedores, três mil funcionários foram convocados para pular simultaneamente nas arquibancadas antes de sua abertura.
À época, as exigências da Fifa não eram muitas. A entidade pedia estádios com arquibancadas para no mínimo 20 mil torcedores, cabines para a imprensa e autoridades e túneis interligando os vestiários ao gramado. O Maracanã cumpria todos os requisitos com sobras, mas imprevistos acabaram ocorrendo de última hora. As traves, por exemplo, foram colocadas com atraso, às vésperas da inauguração, porque o primeiro jogo de balizas, feito com madeira de má qualidade, acabou cedendo durante os testes.
Um dia após a abertura oficial em cerimônia que contou com a presença de Eurico Gaspar Dutra, então presidente da República, a partida inaugural ocorreu em 17 de junho de 1950, entre as seleções do Rio e de São Paulo. Dentro de campo, vitória por 3 a 1 dos paulistas. Fora, problemas e improvisações.
“Observou-se que dois setores do estádio estavam repletos de andaimes sustentando dois lances da marquise que circundava a arquibancada. Isso impediu, certamente, que o estádio alcançasse a sua capacidade máxima”, informava reportagem do Estadão à época.
Sete dias depois, na abertura do Mundial de 1950, no jogo entre Brasil e México, os andaimes foram retirados das arquibancadas. Mas havia ainda muita lama e material de construção espalhado pelo estádio.
Ao longo de sete décadas, o Maracanã recebeu partidas históricas de duas Copas do Mundo, Mundial de Clubes, Copa América, Libertadores, Campeonato Brasileiro e, é claro, Campeonato Carioca. Não apenas times do Rio fizeram jogos memoráveis no estádio. O Santos, por exemplo, foi campeão mundial em 1963 contra o Milan no Maracanã. O mesmo ocorreu com o Corinthians, em 2000, diante do Vasco.
A seleção brasileira viveu altos e baixos no estádio. A primeira decisão, na Copa de 1950, acabou em derrota para o Uruguai. Mas, no mesmo palco, o Brasil faturou os títulos da Copa América em 1989 e 2019.
Antes da pandemia do coronavírus, a Conmebol havia escolhido o Maracanã como sede da final da Libertadores deste ano. A decisão do principal torneio de clubes da América do Sul está marcada para o dia 21 de novembro, mas deverá ser alterada por causa da paralisação do futebol no continente.
A lista de eventos históricos fora do futebol que aconteceram no estádio é extensa, com destaque para a missa do papa João Paulo II (1980), show de Frank Sinatra (1980), apresentação de Paul McCartney (1990), Rock in Rio (1991) e abertura e encerramento dos Jogos Olímpicos (2016).
ANÁLISE: Estádio dialogou com a ideia de um país que se queria fazer grandioso
Coriolano Junior *
O Maracanã foi central como afirmação da paixão do povo brasileiro pelo futebol. A partir da sua construção, mesmo que a primeira grande competição nele, a Copa do Mundo de 1950, não tenha trazido o resultado positivo esperado, o futebol brasileiro se viu em um grande palco. Durante um longo tempo, o estádio carregou a mística de maior do mundo, um cenário especial para uma modalidade que se firmava como a de maior interesse no País, associada a resultados positivos.
A ideia de um estádio monumental dialogou com a afirmação de um país que se queria fazer novo, moderno, grandioso e, assim, vitorioso. Sendo então o Rio capital do País, sede de clubes de relevância, o Maracanã passou também a ser de interesse brasileiro e não apenas carioca e os resultados da seleção deram ares mundiais ao estádio.
Os jogos do Santos, que contava com Pelé, o maior jogador de todos os tempo, também deram uma potente visibilidade ao Maracanã. Por isso, é inevitável vincular o Maracanã à afirmação do gosto nacional pelo futebol.
* PESQUISADOR DO LABORATÓRIO DE HISTÓRIA DO ESPORTE E DO LAZER DA UFRJ (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO)
Fonte: Estadão