Para lembrar a trajetória de resistência desses trabalhadores e a reafirmar o compromisso na continuidade da luta por justiça e por direitos, movimentos sociais e organizações – entre elas a Terra de Direitos – lançaram nesta sexta-feira (22) uma nota pública, onde denunciam a falta de respostas aos casos.
Neste dia 23 de maio, o assassinato do casal de extrativistas José Cláudio e Maria, ocorrido em Nova Ipixuna (PA), completa 9 anos. No domingo, dia 24 de maio, também fará 3 anos do massacre que resultou na morte de 10 trabalhadores rurais em Pau D’arco (PA). Dois crimes que continuam impunes, sem que os mandantes tenham sido responsabilizados, e que retratam o cenário de violência no estado campeão no registro de conflitos por terra e assassinatos no campo.
Para lembrar a trajetória de resistência desses trabalhadores e a reafirmar o compromisso na continuidade da luta por justiça e por direitos, movimentos sociais e organizações – entre elas a Terra de Direitos – lançaram nesta sexta-feira (22) uma nota pública, onde denunciam a falta de respostas aos casos. “Como sistematicamente as entidades de defesa dos Direitos Humanos denunciam, a impunidade tem sido uma das principais causas da continuidade dos assassinatos no campo. Financiados por latifundiários representantes do agronegócio, pistoleiros continuam a assassinar trabalhadores rurais sem-terra, indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores, posseiros, assentados e lideranças que fazem a luta pelo direito ao acesso e à permanência na terra”, aponta, no documento.
Leia a nota pública na íntegra:
MASSACRE DE PAU D’ARCO E ASSASSINATO DE JOSÉ CLÁUDIO E MARIA: A difícil luta para punir acusados de crimes no campo no Pará
Ainda que as pessoas se calem, as pedras clamarão por Justiça.
No dia 23 de maio, completarão nove anos que o casal de extrativistas JOSÉ CLÁUDIO RIBEIRO DA SILVA e MARIA DO ESPÍRITO SANTO SILVA, foram covardemente assassinados no interior do Projeto de Assentamento Praia Alta Piranheira, no município de Nova Ipixuna.
Um dia depois, 24 de maio, completarão três anos do MASSACRE DE PAU D’ARCO, quando 10 trabalhadores rurais foram barbaramente assassinados, por policiais militares e civis, no interior da fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco.
Os dois casos têm em comum a dificuldade de se punir todos os responsáveis pelos crimes, principalmente os mandantes das mortes. No caso de José Claudio e Maria, embora houvesse indícios claros da participação de outros fazendeiros como mandantes, apenas o fazendeiro José Rodrigues Moreira, foi denunciado pelos crimes. Condenado a 60 anos de prisão em julgamento ocorrido em 06 de dezembro de 2016, até a presente data, a polícia civil do Estado do Pará não fez qualquer esforço para cumprir o mandado de prisão. O fazendeiro segue livre e transitando pela região sem ser incomodado. O executor principal da morte do casal, Lindonjonson Silva, irmão de José Rodrigues, condenado a 42 anos de prisão, em júri realizado em 04 de maio de 2013, teve sua fuga facilitada e certamente comprada, da penitenciária Mariano Antunes, em Marabá no dia 15 de novembro de 2015. Decretada novamente sua prisão, a Polícia do Pará nada fez para recapturar o criminoso fugitivo.
No Caso Pau D’Arco, devido às pressões sociais e a colaboração premiada de dois policiais que participaram da ação criminosa, o Ministério Público denunciou 17 policiais entre civis e militares como os executores crimes. No entanto, em relação aos mandantes das mortes, passados três anos, a Polícia Federal, sequer concluiu o inquérito que investiga a participação de fazendeiros da região e autoridades policiais como possíveis mandantes das mortes.
Em relação aos executores do massacre, devido às robustas provas da participação, os 17 policias chegaram a serem presos, tão logo foram denunciados pelo MP, mas, foram postos em liberdade ao final da instrução do processo. Em fevereiro de 2019, o Judiciário de Redenção, pronunciou 16 dos 17 policiais que tinham sido denunciados pelo MP. O processo está agora no Tribunal de Justiça de Belém, aguardando o julgamento de recursos da defesa e da acusação. Não há previsão de quando os recursos serão julgados e os acusados possam ir a júri. Mesmo diante da gravidade dos crimes praticados em serviço, os policiais foram reincorporados às suas funções pelo Governo do Estado.
Como sistematicamente as entidades de defesa dos Direitos Humanos denunciam, a impunidade tem sido uma das principais causas da continuidade dos assassinatos no campo. Financiados por latifundiários representantes do agronegócio, pistoleiros continuam a assassinar trabalhadores rurais sem-terra, indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores, posseiros, assentados e lideranças que fazem a luta pelo direito ao acesso e à permanência na terra. Sem punição exemplar para os criminosos, a impunidade funciona como uma espécie de “licença para matar”, ou seja, o pistoleiro, assalariado do crime, que comete um assassinato a mando de alguém e não é punido, não pensará duas vezes para aceitar outra empreitada criminosa.
Da mesma forma, é impossível convivermos com a insegurança de termos agentes policiais do estado do Pará promovendo o extermínio da população do campo, em defesa de interesses particulares, como aconteceu no Massacre de Pau D’arco (2017) e no Massacre de Eldorado dos Carajás (1996).
As causas desse estado de impunidade estão diretamente ligadas aos interesses daqueles que comandam os crimes e chefiam as quadrilhas da pistolagem (fazendeiros, madeireiros, empresários do agronegócio, mineradores, etc), eles concentram a maioria absoluta das terras, tem grande poder econômico e fortes influências políticas.
Sob o governo Bolsonaro, essa classe que comanda os crimes tem recebido total apoio do Presidente. Uma das primeiras medidas desse governo foi autorizar através de MPs, a posse e o porte de armas, especialmente para os fazendeiros. Através da Medida Provisória 910/2019, o Presidente premiou os que praticam os crimes de grilagem, desmatamento ilegal e queimadas criminosas, com a possibilidade de regularização dessas áreas em nome dos grileiros, utilizando-se de processos administrativos autodeclaratórios. A MP 910/19 foi convertida no PL 2633/20 pela Câmara dos Deputados e continua permitindo a apropriação privada de terras públicas da União e do INCRA em todo o Brasil.
Por outro lado, em relação à reforma agrária, Bolsonaro suspendeu todas as ações relacionadas à aquisição, arrecadação e desapropriação de áreas rurais para o assentamento de novas famílias sem-terra, e suspendeu também todos os recursos para as políticas de apoio aos assentados. Os resultados dessa política tem sido o aumento das ameaças e mortes no campo, além do crescimento do desmatamento e outros crimes ambientais.
Todas essas ações adotadas pelo Poder Executivo também refletem nas ações do Poder Judiciário, com a intensificação dos processes de retirada dos trabalhadores de áreas ocupadas há anos, onde vivem, trabalham e produzem alimentos. Uma das áreas com risco de despejo no Sul do Pará é a Fazenda Santa Lúcia, onde vivem atualmente 200 famílias. Em audiência pública de desocupação realizada no último dia 20 de fevereiro, diante da afirmação de impossibilidade de compra da área pelo INCRA, por falta de recursos para pagamento, um trabalhador afirmou: “essa terra já foi paga com o sangue dos nossos irmãos”.
Assim, diante do atual cenário estarrecedor de incertezas e inseguranças, os camponeses, seus movimentos representativos e as entidades de defesa dos direitos humanos precisam intensificar seus esforços de lutas e articulações, no sentido de dar um basta a esse governo criminoso e, com isso, criar as condições para a retomada do respeito aos direitos das populações do campo.
Pela memória de José Cláudio e Maria do Espírito Santo; pela memória dos 9 trabalhadores e 1 trabalhadora rural, vítimas do Massacre de Pau D’arco; pela memória dos mártires da luta pela terra no Sul e Sudeste do Pará, dizemos não à violência no campo. Exigimos Justiça e Reforma Agrária já!
Pará, 22 de maio de 2020.
Fundação José Cláudio e Maria
Associação de trabalhadores e trabalhadoras rurais Nova Vitória – Acampamento Jane Júlia
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
Terra de Direitos – TDD
Justiça Global – JG
Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares Núcleo Pará – RENAP/PA
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia Núcleo Pará – ABJD/PA
Movimento Sem Terra – MST
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Clínica de Direitos Humanos da Amazônia – CIDHA/UFPA
Fonte: Terra de Direitos