Pesquisadores que lutam para vencer a doença também são vítimas, no momento em que apenas a ciência pode trazer a solução
A perda parece ainda maior quando a doença atinge quem está trabalhando em pesquisas fundamentais para evitar a morte de outros. Na pandemia do novo coronavírus, a ciência também sofreu duras derrotas. Desde o início do ano, a Covid-19 levou dezenas de mentes brilhantes, que deixaram um legado de descobertas e avanços.
Alguns cientistas que morreram estavam diretamente envolvidos nos estudos para conter a pandemia, enquanto outros atuavam em campos parelhos e alguns já haviam se aposentado, mas seguiam presentes como exemplos a serem seguidos.
Na semana passada, o país perdeu a pesquisadora Gilberta Bensabath, de 95 anos. Ela era referência em importantes pesquisas sobre arboviroses, incluindo a febre amarela, e outras doenças tropicais. Em 1975, Gilberta foi a primeira diretora do Instituto Evandro Chagas (IEC), no Pará.
Profissionais ainda em plena atividade também morreram, como o infectologista Maurício Naoto Saheki, de 41 anos, do Hospital Evandro Chagas e do Ambulatório de Leishmaniose do Instituto Nacional de Infectologia da Fiocruz. Já o químico e professor Luiz Di Souza, que morreu aos 61 anos, trabalhava pela popularização da ciência em escolas estaduais. Ele é lembrado com carinho por pagar cursos e eventos para seus alunos da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN).
No exterior, uma das primeiras e mais emblemáticas mortes na linha de frente do combate ao vírus foi a do médico chinês Li Wenliang, de 34 anos. Ele alertou o mundo sobre o novo coronavírus, cravando que, entre suas consequências, estava a síndrome respiratória aguda grave.
A Covid-19 levou outros nomes que fizeram história: o físico britânico John Houghton, de 88 anos, vencedor do Nobel da Paz em 2007, quando representou o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU; o pioneiro no descobrimento das alergias, William Frankland, aos 108 — foi ele quem esclareceu gerações sobre as reações ao pólen, à penicilina e aos problemas decorrentes de ambientes excessivamente estéreis; a cientista ugandense-sul-africana Gita Ramjee, de 63, que se dedicou à prevenção do HIV com foco nas mulheres e meninas da África; e James T. Goodrich, de 73, neurocirurgião pediátrico inglês celebrado por suas impressionantes cirurgias de separação de gêmeos siameses.
O valor do conhecimento
Para o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, fica a esperança de que essas mortes sejam reverenciadas por uma sociedade que valorize e invista mais na área.
— Essa pandemia mostrou ao mundo inteiro a importância da ciência. Estamos enfrentando uma tragédia, mas se não a utilizarmos para ganhar sabedoria, ficaremos reféns de um novo evento tenebroso mais à frente —afirma o acadêmico.
Para Davidovich, os nomes aqui destacados e outros que, inevitavelmente, os acompanharão, também reafirmam a característica central no combate à pandemia: a de ela não se dar apenas no campo da ciência médica, mas em um espectro mais amplo. Nele estão profissionais da biologia, voltados para a pesquisa do comportamento do vírus nas células; da química, à procura de novos medicamentos; da física, com o foco na inteligência artificial; da matemática, com o desenvolvimento de estatísticas e prognósticos; da engenharia, com a criação de novos equipamento mais em conta.
E a urgência é a marca desse desafio. O diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia, Marcos Cyrillo, lembra, por exemplo, que a vacina contra a varicela demorou mais de 20 anos para ser lançada. E que nos anos 1980, quem contraía o HIV estava condenado à morte. Somente após décadas foi possível estabelecer um protocolo capaz de controlar a doença:
— Estamos à espera de uma vacina já para o fim do ano ou começo de 2021 que, historicamente, poderia demorar até duas décadas para ser distribuída. Isso só é possível porque há 80 vacinas sendo pesquisadas por governos e empresas particulares para que ela saia da forma mais rápida e eficiente possível.
É também por isso que, segundo Cyrillo, há tantos pesquisadores com 70 anos ou mais trabalhando normalmente, em pesquisas e laboratórios, todos no grupo de risco para o coronavírus:
— Eles não param porque são fundamentais (em suas mais diversas áreas) para a gente atender os doentes. Perder qualquer ser humano é delicado, mas perder um que é empenhado numa luta como esta é pior ainda.
Davidovich complementa, dimensionando a morte dos cientistas, acadêmicos e profissionais da saúde mundo afora por conta do coronavírus.
Fonte: O Globo/Ver-o-fato