Atualmente, o protocolo adotado pela pasta prevê o uso do medicamento apenas por pacientes graves e críticos.
Após a saída do ministro da Saúde, Nelson Teich, o Ministério da Saúde já prepara um novo protocolo para uso da cloroquina também em pacientes com quadro leve pelo novo coronavírus, mesmo sem evidências científicas que apontem eficácia e na contramão de estudos recentes.
Atualmente, o protocolo adotado pela pasta prevê o uso do medicamento apenas por pacientes graves e críticos. Já o novo documento deve estender o uso também para pacientes com quadros leves da Covid-19.
Com a saída de Teich, a previsão é que o secretário-executivo da pasta, general Eduardo Pazuello, que assume interinamente a pasta, dê aval para a medida até o início da semana que vem.
Os ajustes no protocolo são analisados por uma equipe de médicos vinculados ao ministério e passaram a ser feitos ainda nesta sexta, segundo membros da pasta.
Embora seja descrita informalmente como um protocolo, a autorização deve ser divulgada por meio de nota técnica informativa.
Estudos recentes internacionais, publicados em revistas científicas de prestígio, no entanto, não mostraram benefícios da droga em reduzir internações e mortes e apontaram riscos cardíacos.
A divergência em torno do uso da cloroquina é apontada como o principal motivo da saída de Teich. O ministro pediu demissão nesta sexta-feira (15) após receber um ultimato do presidente Jair Bolsonaro para que mudasse o protocolo de oferta do medicamento para pacientes com Covid-19.
O tema foi alvo de reunião no Palácio do Planalto na tarde de quinta-feira (14). Bolsonaro, porém, já havia deixado claro que faria a mudança, mesmo sem concordância do ministro.
“Agora votaram em mim para eu decidir e essa questão da cloroquina passa por mim. Está tudo bem com o ministro da Saúde [Nelson Teich], sem problema nenhum, acredito no trabalho dele. Mas essa questão da cloroquina vamos resolver”, afirmou em teleconferência com empresários. “Não pode mudar o protocolo agora? Pode mudar e vai mudar”, declarou Bolsonaro.
Questionado nesta quinta por jornalistas sobre o motivo da saída, Teich não respondeu. Nos últimos dias, a pasta preparava um grande estudo para analisar uma possível eficácia do uso do medicamento.
Em audiência com senadores em 29 de abril, o então ministro já havia alertado para a falta de evidências científicas no uso do tratamento.
“Cloroquina hoje ainda é uma incerteza. Houve estudos iniciais que sugeriram benefícios, mas existem estudos hoje que falam o contrário. Os dados preliminares da China é que teve mortalidade alta e que o remédio não vai ser divisor de águas em relação à doença”, afirmou.
Na terça, o ministro voltou a comentar o tema em postagens no Twitter: “A cloroquina é um medicamento com efeitos colaterais. Então, qualquer prescrição deve ser feita com base em avaliação médica. O paciente deve entender os riscos e assinar o ‘Termo de Consentimento’ antes de iniciar o uso da cloroquina”.
A elaboração do novo protocolo foi confirmada pelo ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto.
“Está sendo estudado agora para o Ministério da Saúde a utilização da cloroquina no início da doença, nos primeiros dias da manifestação. Estamos aguardando o protocolo”, disse.
Alçada por Bolsonaro a fazer viagens sobre a cloroquina, a ministra Damares Alves afirmou que Teich deixou o protocolo pronto. “É sinal de que ele não é contra.”
O Ministério da Saúde, no entanto, informou que o documento ainda não foi finalizado.
“Vamos entender que a ciência tem correntes. A ciência diz que café faz mal e a outra corrente diz que não faz mal”, afirmou a ministra.
A nova versão do protocolo deve seguir um parecer do Conselho Federal de Medicina. Ainda em abril, o conselho emitiu uma autorização para que médicos pudessem prescrever o medicamento também para casos leves e uso domiciliar, ainda que sem evidências científicas. A autarquia justificou a medida com base em relatos observacionais e ausência de outros tratamentos disponíveis.
Após o parecer do CFM, Teich já havia indicado que a pasta não seria favorável ao uso do remédio em todos os casos, o que irritou Bolsonaro.
“Alguém acha que eu estou a fim de aumentar o número de mortos no Brasil? Como estão exigindo na questão da cloroquina agora também. Se o Conselho Federal de Medicina decidiu que pode usar cloroquina desde os primeiros sintomas, por que o governo federal, via ministro da Saúde, vai dizer que é só em caso caso grave?”, queixou-se o presidente, na videoconferência com empresários ocorrida na quinta.
Juntamente com o impasse sobre o isolamento social, divergências sobre a aplicação da cloroquina e da hidroxicloroquina em pacientes da Covid-19 foram um dos principais pontos que levaram à demissão do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril.
No fim de abril, o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid, na sigla em inglês), dos EUA, contraindicou o uso da associação de hidroxicloroquina e azitromicina para tratamento da Covid-19 fora de ensaios clínicos.
Um dos maiores estudos feitos até agora também não encontrou redução de mortalidade por Covid-19 entre pessoas que foram medicadas com hidroxicloroquina. A pesquisa com 1.438 pacientes foi publicada na segunda (11) na revista Jama (Journal of the American Medical Association), um dos principais periódicos médicos do mundo.
Na última semana, outra grande pesquisa, com 1.376 pacientes de Nova York, publicada no The New England Journal of Medicine, outro respeitado periódico científico, também apontou que não foram encontradas evidências de que o uso da hidroxicloroquina influencia na redução de mortes ou nas intubações.
Fonte: FOLHAPRESS